MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 118.580 SÃO
PAULO
RELATORA :MIN. CÁRMEN
LÚCIA
PACTE.(S) :RONALDO PIMENTEL GUIMARÃES
IMPTE.(S) :WILLEY LOPES SUCASAS E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) :RELATOR DO HC Nº 265462 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECISÃO:
Esta decisão é por mim proferida no
exercício eventual da Presidência do Supremo Tribunal
Federal, em face da ausência transitória, no território brasileiro, dos eminentes Senhores
Ministros Presidente e Vice-Presidente desta
Corte (RISTF,
art. 37, I).
Trata-se de
“habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra
decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União que,
em sede de outra ação de “habeas
corpus” (HC 265.462/SP),
por entender aplicável à espécie daqueles autos o disposto na Súmula 691/STF, extinguiu,
liminarmente, o “writ” lá impetrado, fundamentando
sua decisão no art. 210 do RISTJ.
Presente tal
contexto, impende verificar, desde
logo, se a situação processual
versada nestes autos justificava, ou não, a aplicação, na
espécie, da Súmula 691/STF.
O exame das
decisões proferidas por eminentes Relatores, tanto no
E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quanto
no E. Superior Tribunal de
Justiça, permite-me constatar, presente
o conteúdo de tais atos decisórios,
que se impunha a superação, no
caso ora em análise, da restrição sumular em
referência, especialmente se se tiver em consideração a inconsistência dos
fundamentos que dão suporte à decisão proferida
pelo magistrado de primeiro grau.
Com efeito,
o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et
nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas
quais a decisão questionada divirja da jurisprudência
predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras
de abuso de poder ou caracterizadoras de
manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ,
Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC
86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 87.468/SP,
Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC
89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 90.112-MC/PR,
Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.095/SP,
Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Parece-me que
a situação exposta nesta impetração ajustar-se-ia
às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF.
Por tal razão,
e sem prejuízo do ulterior reexame da questão, passo,
em consequência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede
processual.
Os fundamentos em
que se apoia a presente impetração revestem-se
de inquestionável relevo jurídico,
especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que
manteve a prisão cautelar do ora paciente,
confrontando-se, para esse
efeito, as razões que
lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na
matéria em análise.
Eis, no ponto,
o teor da decisão, que, emanada
do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara
Criminal da comarca de Itapetininga/SP, motivou
as sucessivas impetrações de “habeas corpus”
em favor do ora paciente: “Auto de prisão em flagrante formalmente em ordem.
No mais, havendo prova da existência do crime e indícios
suficientes de autoria,
a manutenção dos acusados no cárcere é medida que se impõe a fim de se garantir a ordem pública, máxime perante a sociedade local e diante da
situação atual do País, em que tanto se discute a questão da impunidade, sendo
prematura a liberação sem que a disseminação dos efeitos da conduta perpetrada.
Vale citar:
‘... o conceito de ordem pública não se limita só a
prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social
e a própria credibilidade de justiça em face da gravidade do crime e de sua
repercussão ...’
(Processo Penal – Ed. Atlas – Julio Fabbrini
Mirabete).
Desta feita, observadas as disposições do artigo 312 do Código de
Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.403/11, converto a prisão em flagrante em prisão
preventiva, com fulcro no artigo 310 do
Código de Processo Penal, ressalvando, por ora, a
inadequação das medidas cautelares diversas
da prisão ante o acima exposto.
Expeçam-se mandados de prisão preventiva contra os acusados.
Finalizado o plantão, remeta-se para distribuição ao Juízo competente.” (grifei)
Tenho para mim que
a decisão em causa, ao converter, em prisão
preventiva, a prisão em flagrante do ora
paciente, parece ter-se apoiado em elementos insuficientes, destituídos de necessária base empírica idônea, revelando-se, por isso
mesmo, desprovida da
indispensável fundamentação substancial.
Todos sabemos que
a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada
pela nota da excepcionalidade (HC
96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.),
eis que a supressão meramente
processual do “jus libertatis”
não pode ocorrer em um contexto caracterizado
por julgamentos sem defesa ou por
condenações sem processo (HC
93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
É por isso que
esta Suprema Corte tem censurado decisões que
fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de
fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem
a estrutura jurídica do tipo penal:
“(...) PRISÃO
PREVENTIVA – NÚCLEOS DA TIPOLOGIA – IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à
tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de,
em última análise, antecipar-se
o cumprimento de pena ainda não imposta
(...).” (HC 83.943/MG,
Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)
Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a
utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a
subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese
que possa justificá-la:
“Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em
atenção à gravidade do crime imputado, do
qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF,
art. 5º, LVII).
O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências. Por tudo isso, é
incontornável a exigência de
que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida
cautelar, o que (...) não
pode reduzir-se ao mero apelo à
gravidade objetiva do fato (...).”
(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)
Impende assinalar,
por isso mesmo, que a
gravidade em abstrato do crime não bastaria para justificar, só por si, a privação cautelar da liberdade individual do
paciente.
O
Supremo Tribunal Federal tem advertido
que a natureza da infração penal não se revela circunstância
apta, “per se”, a justificar a privação cautelar do “status libertatis”
daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Esse
entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos
proferidos no âmbito desta Corte, ainda que
o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo ou seja a este juridicamente
equiparado (RTJ
172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 182/601-602,
Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC
71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):
“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do
desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada,
a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’
(CF, art. 5º, LVII).” (RTJ 137/287,
Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)
“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA
A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A
prerrogativa jurídica da liberdade –
que possui extração constitucional (CF,
art. 5º, LXI e LXV) – não
pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta
prática de crime hediondo,
eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que
seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.” (RTJ
187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Cabe advertir,
neste ponto, que nem mesmo
eventual clamor público poderia erigir-se em
fator subordinante da decretação ou da
manutenção da prisão cautelar de qualquer pessoa.
A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que
o estado de comoção social e
de eventual indignação popular, motivado pela prática da infração penal, não pode justificar,
só por si, a decretação da
prisão cautelar do suposto autor do comportamento
delituoso.
Bem por isso,
já se decidiu, nesta Suprema Corte, que “a
repercussão do crime ou o clamor social não são justificativas legais para a
prisão preventiva, dentre
as estritamente delineadas no artigo 312 do Código de Processo Penal (...)” (RTJ 112/1115, 1119, Rel. Min. RAFAEL MAYER – grifei).
A prisão cautelar,
em nosso sistema jurídico, não deve
condicionar-se, no que concerne aos fundamentos
que podem legitimá-la, ao clamor
emergente das ruas,
sob pena de completa e grave
aniquilação do postulado fundamental da
liberdade.
Esse entendimento constitui
diretriz prevalecente no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal
Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu
que a repercussão social do delito e o clamor público por ele gerado não
se qualificam como causas legais de justificação
da prisão processual do suposto autor da infração penal (RT 598/417 – RTJ 172/159,
Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – HC
71.289/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RHC 64.420/RJ,
Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.):
“O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO
DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- O
estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado ela
repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só
por si, a decretação da prisão cautelar
do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de
completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.
O clamor público – precisamente
por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não
se qualifica como fator de legitimação da privação
cautelar da liberdade do indiciado ou
do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323,
V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes.” (RTJ 187/933-934,
Rel. Min. CELSO DE MELLO)
De outro lado,
revela-se arbitrária a decisão que
decreta (ou, como na espécie, que mantém) a prisão cautelar de alguém com o objetivo de
inibir terceiros que eventualmente venham a incidir
em práticas delituosas, pois tal não
é a função jurídico-processual do
instituto da prisão cautelar.
Como se sabe,
a prisão cautelar – que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad poenam”) – não
objetiva infligir punição à pessoa que sofre a
sua decretação. Não traduz a prisão cautelar, em face da estrita finalidade
a que se destina, qualquer ideia de sanção. Constitui, ao
contrário, instrumento destinado
a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários
ao Código de Processo Penal”, vol.
III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal
como esta Suprema Corte tem proclamado:
“A PRISÃO PREVENTIVA – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA
CAUTELAR – NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.
- A
prisão preventiva não pode –
e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois,
no sistema jurídico brasileiro, fundado
em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem
processo e inconciliável com condenações sem defesa
prévia.
A prisão preventiva – que
não deve ser confundida com a prisão penal
– não objetiva infligir punição
àquele que sofre a sua decretação,
mas destina-se, considerada a
função cautelar que lhe é
inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.” (RTJ 180/262-264,
Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no
sentido de que se revela absolutamente inconstitucional
a utilização, com fins punitivos,
da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o suspeito, o indiciado ou o réu, sob pena de
manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido
processo legal, com a consequente (e
inadmissível) prevalência da ideia – tão cara aos
regimes autocráticos – de supressão da liberdade
individual, em um contexto de julgamento sem
defesa e de condenação
sem processo (HC
93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Isso significa,
portanto, que o instituto da prisão cautelar – considerada a função exclusivamente processual que lhe
é inerente – não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia
a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave
comprometimento
ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Cumpre enfatizar,
por necessário, que a prisão cautelar, para legitimar-se em
face de nosso sistema jurídico, impõe
– além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da
existência material do crime e
presença de indícios suficientes de
autoria) – que se
evidenciem,
com fundamento em base empírica
idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa
extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do suspeito,
do indiciado ou do réu, como
assinalou a colenda Segunda Turma do
Supremo Tribunal Federal:
“A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA
EXCEPCIONAL.
- A
privação cautelar da
liberdade individual reveste-se
de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de
absoluta necessidade.
A prisão cautelar, para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe –
além da satisfação dos
pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP
(prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do
réu.
- A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão
cautelar.
Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no
art. 312 do CPP. Necessidade
da verificação concreta, em cada
caso, da imprescindibilidade da adoção dessa
medida extraordinária.
Precedentes.
A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE – ENQUANTO
MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO
ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A
prisão cautelar não pode –
nem deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois,
no sistema jurídico brasileiro, fundado
em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão cautelar – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI
FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
-
A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA
NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE.
- Sem
que se caracterize situação de real necessidade,
não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do
indiciado ou do réu. Ausentes
razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a
subsistência da prisão cautelar.
- Presunções
arbitrárias, construídas a partir de
juízos meramente conjecturais, porque
formuladas à margem do
sistema jurídico, não
podem prevalecer sobre o
princípio da liberdade, cuja
precedência constitucional lhe
confere posição eminente no domínio do processo penal.” (HC 105.270/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Mostra-se importante ter presente, no caso, por oportuno, quanto
à Lei nº 11.343/2006, que o seu
art. 44 proibia, de modo
abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, ‘caput’ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei”.
Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória não pode,
no entanto, ser admitida, eis
que se revela manifestamente incompatível com a presunção de inocência
e a garantia do “due process”,
dentre outros princípios consagrados
pela Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito.
Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 10/05/2012,
ao julgar o HC 104.339/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, declarou,
“incidenter tantum”, a
inconstitucionalidade da expressão “e
liberdade provisória”,
constante do “caput” do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006.
Devo assinalar,
por relevante, que a
aplicabilidade do art. 44 da Lei de Drogas já
vinha sendo recusada por Juízes do Supremo Tribunal Federal,
que vislumbravam, em
referida cláusula legal, a eiva da inconstitucionalidade (HC
97.976-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 100.330-MC/MS,
Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 100.949-MC/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.):
“‘HABEAS
CORPUS’. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, IMPOSTA EM CARÁTER APRIORÍSTICO, INIBITÓRIA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES TIPIFICADOS
NO ART. 33, ‘CAPUT’ E §
1º, E NOS ARTS. 34 A
37, TODOS DA
LEI DE DROGAS. POSSÍVEL
INCONSTITUCIONALIDADE DA
REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 44). OFENSA
AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO ‘DUE PROCESS OF LAW’, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
PROPORCIONALIDADE. O
SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE, VISTO
SOB A PERSPECTIVA DA
‘PROIBIÇÃO DO EXCESSO’:
FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA
PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO
DO DESARMAMENTO, ART. 21).
CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR
DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA NEM SE MANTÉM PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE
HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE
OFENSA AO ‘STATUS LIBERTATIS’ DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA.” (HC
100.742-MC/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Cabe assinalar que
eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, igualmente sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à concessão de liberdade provisória prevista em
mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito
de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO
GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO
OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não
Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº
11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e
Comentários à Lei nº 11.343/06”,
p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRANCIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes ‘Supra-hediondos’: uma
necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06”, “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática
penal e da política criminal”,
p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Editora”, v.g.).
Daí a censura que
o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu
à interdição legal “in abstracto”,
vedatória da concessão de liberdade provisória, prevista no
art. 44 da Lei nº 11.343/2006, considerados
os múltiplos postulados
constitucionais violados por
mencionada regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não,
de situação configuradora da
necessidade de utilização, em cada situação concreta, do
instrumento da tutela cautelar penal.
Em suma:
a análise do ato decisório de
primeira instância, que converteu,
em prisão preventiva, a prisão em
flagrante do ora paciente,
decisão essa que está sendo mantida, até o
presente momento, por efeito de
inadequada aplicação da Súmula 691/STF, permite reconhecer a
imprestabilidade, em face da
jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, dos fundamentos invocados
pelo ilustre magistrado local, que não indicou,
sequer, um fato
concreto que pudesse justificar a utilização,
no caso em exame, do instituto da prisão cautelar.
Sendo assim ,
e tendo presentes as razões
expostas, defiro o
pedido de medida liminar , para, até final julgamento desta ação
de “habeas corpus”, garantir , cautelarmente, ao ora paciente, o
direito de ser colocado em liberdade, cessada a eficácia da
decisão que lhe converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva (Processo nº
0000013--19.2013.8.26.0624, ora em curso perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da
comarca de Tatuí/SP).
Em
consequência da presente decisão, o ora paciente deverá ser
posto, imediatamente , em liberdade, se
por al não estiver preso .
Comunique-se,
com urgência, transmitindo-se
cópia da presente decisão ao E.
Superior Tribunal de Justiça (HC
265.462/SP), ao E. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo (HC
0015065-84.2013.8.26.0000) e ao Juízo de
Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Tatuí/SP (Processo nº
0000013-19.2013.8.26.0624).
Publique-se.
Brasília,
09 de julho de 2013.
Ministro
CELSO DE MELLO
Presidente
em exercício
(RISTF,
art. 37, I)