O juiz pode, mesmo antes da sentença, proceder à correta
adequação típica dos fatos narrados na denúncia para viabilizar, desde logo, o
reconhecimento de direitos do réu caracterizados como temas de ordem pública
decorrentes da reclassificação do crime. Com efeito, é válida
a concessão de direito processual ou material urgente, em tema de ordem
pública, mesmo quando o fundamento para isso seja decorrência de readequação
típica dos fatos acusatórios, em qualquer fase do processo de conhecimento. De
fato, o limite do caso penal são os fatos indicados na peça acusatória.
Irrelevante é a adequação típica indicada pelo agente ministerial, que em nada
limita a persecução ou as partes do processo – o juiz e mesmo o acusador podem
compreender até a sentença que os fatos descritos caracterizam crimes outros.
Daí porque não cabe ao juiz corrigir defeito de enquadramento típico da
denúncia – na sentença simplesmente enquadrará os fatos ao direito, na forma do
art. 383 do CPP, como simples exercício de jurisdição. É a emendatio libelli
reservada para o momento da prolação da sentença, ocasião em que o magistrado,
após encerrada a instrução e debates, decidirá o direito aos fatos acusatórios
– sem qualquer limitação de enquadramento típico. Ocorre que matérias de ordem
pública, de enfrentamento necessário em qualquer fase processual – como
competência, trancamento da ação, sursis
processual ou prescrição –, podem exigir como fundamento inicial o adequado
enquadramento típico dos fatos acusatórios, como descritos (assim independendo
da instrução). Não se trata de alteração do limite do caso penal pela mudança
do tipo penal denunciado – irrelevante aos limites do caso penal – e sim de
decidir se há direito material ou processual de ordem pública, como, por
exemplo, a definição do direito à transação penal, porque os fatos denunciados
configuram em verdade crime diverso, de pequeno potencial ofensivo. Trate-se de
simples condição do exercício da jurisdição, aplicando o direito aos fatos
narrados na denúncia para a solução de temas urgentes de conhecimento
necessário. Cuida-se de manifestação em tudo favorável à defesa, pois permite
incidir desde logo direitos do acusado. Impedir o exame judicial em qualquer
fase do processo como meio de aplicar direitos materiais e processuais
urgentes, de conhecimento obrigatório ao juiz, faz com que se tenha não somente
a mora no reconhecimento desses direitos, como até pode torná-los prejudicados.
Prejuízo pleno também pode ocorrer, como no direito à transação penal ou sursis processual se
realizado o correto enquadramento típico na sentença, ou acórdão de apelação.
Ou no enquadramento da supressão de valores mediante fraude bancária como
estelionato ou furto, pois diferentes os locais da consumação e, como
incompetência relativa, sem renovação dos atos no foro adequado. Assim, há
direito do acusado a ver reconhecida a incompetência, a prescrição, o direito à
transação, a inexistência de justa causa, e, se isso pode reconhecer o
magistrado sem dilação probatória, pela mera aplicação do direito aos fatos
denunciados, pode e deve essa decisão dar-se durante a ação penal, como temas
de ordem pública, mesmo antes da sentença. Se a solução do direito ao caso
penal dá-se em regra pela sentença – daí os arts. 383 e 384 do CPP – temas de
ordem pública podem ser previamente solvidos. HC
241.206-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/11/2014, DJe 11/12/2014.
Blog do Advogado Criminalista Bruno César, sócio do Escritório Bruno César Gonçalves da Silva Sociedade de Advogados, Presidente do COPEN-MG (2015/2017) e Professor de Direito Processual Penal. Pretende-se aqui abordar temas relevantes ao campo da Advocacia, do Direito e do Processo Penal, disponibilizando-se julgados, artigos, peças processuais, etc. www.brunocesaradvocacia.com.br
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário