quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Prisão cautelar - Gravidade do crime - Fundamento exclusivo - Inadmissibilidade - STF


Prisão cautelar - Gravidade do crime - Fundamento exclusivo - Inadmissibilidade (Transcrições)


HC 111874 MC/BA*

RELATOR: Ministro Celso de Mello

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpusainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 230.013/BA), denegou provimento cautelar que lhe havia sido requerido em favor do ora paciente.
Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.
Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou caracterizadoras de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajustar-se-ia às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF.
Por tal razão, e sem prejuízo do ulterior reexame da questão, passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.
E, ao fazê-lo, observo que os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que decretou a prisão cautelar do ora paciente (prisão preventiva), confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise.
Eis, no ponto, o teor da decisão, que, emanada do MM. Juiz de Direito da comarca de Monte Santo/BA, motivou as sucessivas impetrações de “habeas corpusem favor do ora paciente :

O Acusado **, por sua vez, guardou em sua residência inúmeras munições de uso restrito das forças armadas, praticando crime gravíssimo, o qual, evidentemente, também comprometeu a ordem pública.

Presente esse contexto, cabe verificar se os fundamentos subjacentes à decisão ora questionada ajustam-se, ou não, ao magistério jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal Federal no exame do instituto da prisão cautelar.
Tenho para mim que a decisão em causa, ao manter a prisão preventiva do ora paciente, apoiou-se em elementos insuficientes, destituídos de base empírica idônea, revelando-se, por isso mesmo, desprovida de necessária fundamentação substancial.
Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que a supressão meramente processual do “jus libertatisnão pode ocorrer em um contexto caracterizado por julgamentos sem defesa ou por condenações sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...).
(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:

Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).
O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências.
Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...).
(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Impende assinalar, por isso mesmo, que a gravidade em abstrato do crime não basta para justificar, só por si, a privação cautelar da liberdade individual do paciente.
O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, “per se”, a justificar a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).
(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.
- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.
(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

É que a prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu, como assinalou, em recentíssimo julgamento, a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:

A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.
- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade.
A prisão cautelar, para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.
A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A prisão cautelar não pode - nem deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão cautelar - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar.
- Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.
(HC 105.270/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.
Todas as razões que venho de referir justificam a superação da restrição fundada na Súmula 691/STF, eis que o comportamento processual atribuído pela impetração a eminente Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça – presente o contexto em examerevela-se em conflito com a jurisprudência que esta Suprema Corte firmou na matéria, o que autoriza a apreciação do presente “writ”.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, garantir, cautelarmente, ao ora paciente, a liberdade provisória que lhe foi negada nos autos do Processo-crime nº 0000790-04.2010.805.0168, ora em curso perante o Juízo de Direito da comarca de Monte Santo/BA, expedindo-se, imediatamente, em favor do paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura.
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 230.013/BA), ao E. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (HC 0003420-18.2011.805.0000-0) e ao Juízo de Direito da comarca de Monte Santo/BA (Processo-crime nº 0000790-04.2010.805.0168).
Publique-se.
Brasília, 19 de março de 2012.
(200º Aniversário de promulgação da Constituição Política da Monarquia Espanhola, “La Pepa”, em Cádiz)

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

MP pede impronúncia e depois recorre desta Decisão - RG


REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 590.908-AL (STF)
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO
MINISTÉRIO PÚBLICO – ATUAÇÃO – POSIÇÕES DIVERGENTES NO PROCESSO – IMPRONÚNCIA – MANIFESTAÇÃO NO MESMO SENTIDO – RECURSO POSTERIOR – INADMISSIBILIDADE NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da possibilidade de o Ministério Público, havendo se manifestado pela impronúncia do acusado, vir a interpor recurso contra decisão no mesmo sentido.

Juiz Inquisidor - Impossibilidade - STJ - HC 122.059

STJ - HC 122.059

REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO POR JUIZ DURANTE A FASE INQUISITÓRIA, ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. IMPEDIMENTO DO MAGISTRADO. NULIDADE DOS ATOS. CORREIÇÃO PARCIAL. DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RHC Nº 23.945. PREVALÊNCIA. 1. Havendo decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto ao impedimento do Juiz e à validade dos atos por ele praticados, é esse acórdão que deve prevalecer, e não o que foi proferido pelo Tribunal de origem em correição parcial. 2. Quando do julgamento do RHC nº 23.945/SP, foram declarados nulos, além dos atos decisórios, toda a instrução processual dirigida pelo Juiz, por ter o magistrado realizado os interrogatórios na fase inquisitória, antes de haver ação penal. Foram, de igual modo, declarados nulos os atos de investigação praticados por ele na fase administrativa, os quais devem ser desconsiderados na propositura da nova ação penal. Ressalva do ponto de vista do Relator. 3. No caso, é esse entendimento que prepondera no que tange à ação penal em questão. 4. Ordem concedida para declarar impedido o Juiz e para declarar a nulidade de todo o processo – não apenas dos atos decisórios, assim como dos atos praticados pelo magistrado durante a fase das investigações preliminares –, determinando que os interrogatórios por ele realizados nesse período sejam desentranhados dos autos de forma que não influenciem a opinio delicti do órgão acusatório na propositura da nova denúncia. 5. Extensão da ordem concedida de ofício ao demais corréus.

Magistrado de garantias no fase investigativa


AG. REG. NO INQ. N. 2.913-MT (STF)
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
Ementa: INQUÉRITO. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PARLAMENTAR. NOMEAÇÃO DE FUNCIONÁRIO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES INCOMPATÍVEIS COM O CARGO EM COMISSÃO OCUPADO. POSSIBILIDADE, EM TESE, DE CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE PECULATO DESVIO (ART. 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO DE OFÍCIO, SEM OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO ACUSATÓRIO. DOUTRINA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O sistema processual penal acusatório, mormente na fase pré-processual, reclama deva ser o juiz apenas um “magistrado de garantias”, mercê da inércia que se exige do Judiciário enquanto ainda não formada a opinio delicti do Ministério Público.
2. A doutrina do tema é uníssona no sentido de que, verbis: “Um processo penal justo (ou seja, um due process of law processual penal), instrumento garantístico que é, deve promover a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, como forma de respeito à condição humana do sujeito passivo, e este mandado de otimização é não só o fator que dá unidade aos princípios hierarquicamente inferiores do microssistema (contraditório, isonomia, imparcialidade, inércia), como também informa e vincula a interpretação das regras infraconstitucionais.” (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Inquérito Policial, Democracia e Constituição: Modificando Paradigmas. Revista eletrônica de direito processual, v. 3, p. 125-136, 2009).
3. Deveras, mesmo nos inquéritos relativos a autoridades com foro por prerrogativa de função, é do Ministério Público o mister de conduzir o procedimento preliminar, de modo a formar adequadamente o seu convencimento a respeito da autoria e materialidade do delito, atuando o Judiciário apenas quando provocado e limitando-se a coibir ilegalidades manifestas.
4. In casu: (i) inquérito destinado a apurar a conduta de parlamentar, supostamente delituosa, foi arquivado de ofício pelo i. Relator, sem prévia audiência do Ministério Público; (ii) não se afigura atípica, em tese, a conduta de Deputado Federal que nomeia funcionário para cargo em comissão de natureza absolutamente distinta das funções efetivamente exercidas, havendo juízo de possibilidade da configuração do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, do Código Penal).
5. O trancamento do inquérito policial deve ser reservado apenas para situações excepcionalíssimas, nas quais não seja possível, sequer em tese, vislumbrar a ocorrência de delito a partir dos fatos investigados. Precedentes (RHC 96713, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 07/12/2010; HC 103725, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 14/12/2010; HC 106314, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 21/06/2011; RHC 100961, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010).
6. Agravo Regimental conhecido e provido.

Flexibilização da súmula 691


HC N. 108.795-ES (STF)
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. FALECIMENTO DO ÚNICO ADVOGADO CONSTITUÍDO DIAS ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO CONDENATÓRIO. TRÂNSITO EM JULGADO. EXCEPCIONALIDADE DA SÚMULA N. 691 STF. CERCEAMENTO DE DEFESA: CARACTERIZAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA.
1. O Supremo Tribunal Federal tem admitido, em sua jurisprudência, a impetração da ação de habeas corpus, quando, excepcionalmente, se comprovar flagrante ilegalidade, devidamente demonstrada nos autos, a recomendar o temperamento na aplicação da súmula. Precedentes.
2. Na espécie vertente, a morte do único representante legal da Paciente ocorreu dias antes da publicação do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região no julgamento do recurso de apelação.
3. A intimação do advogado falecido, o trânsito em julgado do processo-crime movido contra a Paciente e a consecutiva execução penal não foram rigorosamente afetos aos princípios do contraditório e da ampla defesa, configurando constrangimento ilegal a ser sanado nesta ação de habeas corpus. Precedentes.
4. Ordem concedida no sentido de se anular todos os atos posteriores à publicação do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Jurí e competência federal


HC N. 107.156-DF (STF)
RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CRIME PRATICADO PARA EVITAR QUE A VÍTIMA PRESTASSE DEPOIMENTO NO CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA. ÓRGÃO VINCULADO AO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. INTERESSE DA UNIÃO COMPROVADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a competência da Justiça Federal, em matéria penal, só ocorre quando a infração penal é praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, mormente quando os crimes teriam sido praticados com o objetivo de evitar que a vítima prestasse declarações ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos. Precedentes.
2. Ordem denegada.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Direito processual penal. Porte de arma de fogo. Crimes praticados por particulares contra a administração pública. Desobediência. Fundada suspeita. Prisão em flagrante. Prisão ilegal. Prova ilícita. Abuso de autoridade.


Fonte: Boletim 238 do IBCCRIM 

Direito processual penal. Porte de arma de fogo. Crimes praticados por particulares contra a administração pública. Desobediência. Fundada suspeita. Prisão em flagrante. Prisão ilegal. Prova ilícita. Abuso de autoridade.

4.ª Vara Criminal da Seção Judiciária de Florianópolis/SC Processo 023.12.030817-0 j. 11.06.2012 - public. 11.06.2012
“Vistos para sentença.
Com a vinda do auto de prisão em flagrante, foi determinada abertura de vista ao Ministério Público antes da análise do artigo 310 do CPP. Com vista dos autos, manifestou-se o Parquet pela legalidade do flagrante e pelo arbitramento de fiança para todos os conduzidos. Ofereceu denúncia. Trato, pois, de ação penal intentada pelo representante do Ministério Público em face de A.N.P.J., C.E.S., E.S.O. e R.H.D.O., todos já qualificados nos autos, imputando-lhes a prática do crime de transporte ilegal de arma de fogo (art. 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03), e quanto a C.E.S., ainda, o cometimento do delito de desobediência (art. 330 do Código Penal), assim descritos na peça acusatória:
‘1º Fato – Desobediência
Na madrugada do dia 1º de junho de 2012, por volta da 0h30min, na Rua X, Centro, nesta Cidade, o denunciado C.E.S. desobedeceu ordem legal de parada solicitada pela Guarda Municipal de Florianópolis/SC, em razão de manobras bruscas na condução do veículo (...).
Ao agir, o denunciado, juntamente com as pessoas abaixo identificadas, ao perceber a aproximação da viatura da Guarda Municipal, empreendeu fuga, na condução do sobredito veículo, ocasião em que foi perseguido e, no local acima indicado, recebeu ordem legal de parada dada por um funcionário público, ou seja, um dos Guardas Municipais, à qual não obedeceu.
2º Fato – Transporte Ilegal de Arma de Fogo
Na madrugada do dia 1º de junho de 2012, (...), os denunciados A.N.P.J., C.E.S., E.S.O. e R.H.D.O., em comunhão de esforços e conjugação de vontades, transportavam, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, dentro do veículo SEAT/CORDOBA, (...), arma de fogo de uso proibido e munições, consistentes em 1 (um) revólver marca Taurus, calibre 38, com a numeração suprimida/raspada e municiado com 6 (seis) cartuchos intactos, conforme o Termo de Exibição e Apreensão da fl. 21’.
Nesse contexto, os denunciados, previa­mente ajustados entre si, aderidos à conduta um do outro, ao receberem a ordem de parada proferida pela Guarda Municipal desta Cidade, jogaram pela janela do automóvel acima detalhado, onde todos estavam trafegando, a referida arma de fogo que transportavam ilegalmente.
Ato contínuo, arrancaram bruscamente com o carro, mas decidiram parar cerca de 500 metros daquele local, onde a Viatura n. 106 da Guarda Municipal encontrou o artefato por eles dispensado, razão pela qual foram todos presos em flagrante delito.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Fundamento e decido.
Da análise do auto, não obstante já ter o Ministério Público oferecido denúncia e entendido pela legalidade da apreensão da materialidade de delito e do próprio flagrante efetuado, insta reconhecer que, nos termos do artigo 144, seus incisos e § 8º, da Constituição da República, o flagrante foi ilegal. Com efeito, não se desconhece a polêmica instaurada em torno do ‘rol’ do mencionado artigo 144 – se taxativo ou não – despeito de uma simples leitura conduzir à conclusão de que tal ‘rol’ é, de fato, taxativo.
Recentemente, na ADIN n. 2.827-RS, (...) reconheceu a taxatividade do rol disposto no artigo 144, sendo defesa (sic) aos Estados-membros a criação de órgão de segurança pública diverso daqueles previstos no mencionado.
(...)
Ora, se o rol do artigo 144 da CR é taxativo, não se pode tolerar a atuação da Guarda Municipal em exercício de polícia ostensiva (preventiva). No presente caso, os guardas municipais, ao visualizarem veículo com quatro integrantes, em situação na qual não havia existência flagrante de delito aparente (...), mas, na suspeita levantada, passaram a perseguir, em evidente abuso de autoridade, o veículo alvo da fiscalização, para depois realmente se certificarem de que havia crime. (...) Sua função constitucional é guardar espaços públicos e não fazer ação típica de polícia, instituição que não é! Nesse sentido, a ordem de parada por parte da Guarda Municipal foi ilegal, pois, sem flagrante delito ocorrendo e ex ante, jamais poderia ter perseguido e mandado parar o veículo.
Interessante notar, a respeito da atuação do Ministério Público, que tal posicionamento também foi abraçado institucionalmente. (...).
Nessa senda, a ineficiência do Estado na segurança pública não pode se sobrepujar ao Estado Democrático de Direito. (...) Ocorre que num Estado Democrático de Direito, os ‘fins’ não podem justificar os ‘meios’. Não fosse isso, não haveria a proibição de utilização de provas ilícitas no ordenamento. (...) Portanto, não é possível tolerar inconstitucionalidades flagrantes, tais como a atuação da Guarda Municipal de Florianópolis com atribuição das Polícias. Sublinhe-se que quando houver flagrante se pode prender, como qualquer do povo. Não se pode é fazer ‘blitz’, mandar parar, fazer averiguações, porque tudo isso não lhes é autorizado pelo Direito!
Discutir tal alteração remete necessa­riamente à discussão sobre a delegabilidade ou não do Poder de Polícia (...).
Nesse ponto, existe posicionamento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (HC n. 2009/0035533-0) entendendo que a Guarda Municipal, ao realizar polícia ostensiva (atribuição exclusiva da polícia militar, art. 144, § 5º, CR), atuaria no permissivo elencado no artigo 301 do Código de Processo Penal (...). É de se registrar que tal entendimento, correto, inclusive, não encontra respaldo no caso em concreto.
Isso porque não havia qualquer estado de flagrância no momento em que a Guarda Municipal passou a perseguir o veículo com os conduzidos. E mais: pronunciou ordem de parada, sem, entretanto, ter competência para fazê-lo, atuando contra a lei e o disposto na CR.
(...)
Frise-se que o veículo conduzido por C.E.S. passou em frente aos guardas municipais, os quais – aí desnuda-se a típica realização de atos de polícia militar – ‘julgaram’ estarem os integrantes do veículo em ‘atitude suspeita’, passando a persegui-los.
O próprio guarda municipal esclarece que, percebendo atitude suspeita, passou a seguir o veículo. Trata-se evidentemente de atividade típica da Polícia Militar – prevenção da ordem pública – dado que não havia qualquer estado de flagrância. Consequentemente, a ordem de parada foi ilegal.
(...)
Mutatis mutandis, quando os guardas municipais avistaram o veículo com quatro integrantes, não havia qualquer delito flagrante. Apenas o fato de quatro homens estarem no interior do automóvel, em subjetiva ‘atitude suspeita’.
Ressalta-se que tal informação é por demais relevante, pois somente foi verificada a presença de delito quando os membros da Guarda Municipal passaram a agir como polícia ostensiva, visualizando veículo suspeito e não comunicando incontinenti a Polícia Militar. Ao contrário, os próprios agentes exerceram fiscalização e efetuaram a abordagem do veículo. (...)
Portanto, não se diga que alguém ‘do povo’, ao ver passar veículo com indivíduos em atitude suspeita, pode persegui-lo e ordenar a parada do automóvel para fiscalização. O que os guardas municipais fizeram foi fiscalização preventiva.
Na sequência, ante o ato de fiscalização, aí sim houve arma sendo dispensada. Depois se deu o flagrante, mas a atuação já era totalmente ilegal.
Cabe aqui mencionar a citação trazida por Thiago Augusto Vieira, na monografia (...) (Florianópolis, UFSC, 2010, p. 32):
‘A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua, em relação a cada função pública, a forma e o momento do exercício das atribuições do cargo. (...)’
Verificando a ilegalidade da atuação da Guarda Municipal em matéria de polícia ostensiva, o juízo da 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária de São Paulo (Autos n. 0004088-31.2009.4.03.6181), absolveu o acusado por conta da atuação da Guarda Municipal.
É oportuna a citação de parte da sentença:
‘(...) É notório que depois de mais de 20 anos da chamada ‘Constituição Cidadã’ em vigor, o Estado ainda não conseguiu, nem se esforça para tanto, dar cumprimento aos direitos fundamentais nela assegurados. (...) A ação dos guardas civis não pode ser chancelada pelo Poder Judiciário. A prova produzida mediante ação abusiva do Estado deve ser, conforme manda a Constituição Federal, declarada ilícita, nos termos do artigo 5.º, inciso LVI, da Carta Magna.
A apreensão das duas cédulas pelos guardas civis foi ilegal. Neste aspecto, ante a ilicitude da prova, e considerando a ausência de qualquer outra não contaminada por aquela, deve-se reconhecer a total ausência de provas contra o acusado, até porque, recaindo a ilicitude na própria prova material, a existência do crime pode ser completamente desconsiderada nestes autos. Ainda que assim não fosse, sendo ilícita a diligência realizada pela guarda civil, também o crime, no aspecto da autoria, resta indemonstrado. (...)’
In casu, admitir prova obtida ilicitamente seria convalidar a atuação inconstitucional da Guarda Municipal de Florianópolis como polícia ostensiva. Trata-se, pois, de vício insanável, que atenta contra a Constituição da República (...).
Revelada a atuação inconstitucional e ilegal da Guarda Municipal, que exerceu fiscalização (polícia ostensiva), nascedouro do flagrante que se lê integrando a denúncia ofertada, verifica-se a ilegalidade da materialidade de delito obtida através de tal atuação, a qual, não sendo de se obter por qualquer outro meio lícito, nas circunstâncias demonstradas, é desconsiderada como prova do crime, o que arrasta para o mesmo destino a autoria do delito.
Por tais razões, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, rejeito a denúncia de fls. II-VI, diante ausência de materialidade.
(...)”.
Alexandre Morais da Rosa
Juiz de Direito.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

NULIDADE. JÚRI. AUSÊNCIA DE DEFESA. STJ


NULIDADE. JÚRI. AUSÊNCIA DE DEFESA.
In casu, o paciente foi condenado à pena de 14 anos de reclusão, como incurso no art. 121, § 2º, I e IV, do CP. Sustenta-se a nulidade do processo por ausência de defesa técnica efetiva, pois o patrono do paciente, na sessão plenária do júri, teria utilizado apenas quatro minutos para proferir sua sustentação oral. Invoca a aplicação da Súm. n. 523/STF, asseverando que, após a sustentação proferida, deveria ter a magistrada declarado o réu indefeso, dissolvendo o conselho de sentença e preservando, assim, o princípio do devido processo legal. O Min. Relator observou que a matéria objeto da impetração não foi suscitada e debatida previamente pelo tribunal a quo, razão pela qual o habeas corpus não deve ser conhecido, sob pena de supressão de instância. Contudo, entendeu a existência de ilegalidade flagrante, visto que emerge dos autos que a atuação do defensor do paciente, na sessão de julgamento do tribunal do júri, não caracterizou a insuficiência de defesa, mas a sua ausência. Como se verificou, o defensor dativo utilizou apenas quatro minutos para fazer toda a defesa do paciente. É certo que a lei processual penal não estipula um tempo mínimo que deve ser utilizado pela defesa quando do julgamento do júri. Contudo, não se consegue ver razoabilidade no prazo utilizado no caso concreto, por mais sintética que tenha sido a linha de raciocínio utilizado. O art. 5º, XXXVIII, da CF assegura a plenitude de defesa nos julgamentos realizados pelo tribunal do júri. Na mesma linha, o art. 497, V, do CPP estatui ser atribuição do juiz presidente do tribunal do júri nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso dissolver o conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor. Cabia, portanto, a intervenção do juiz presidente, a fim de garantir o cumprimento da norma constitucional que garante aos acusados a plenitude de defesa, impondo-se que esta tenha caráter material, não apenas formal. Diante dessa e de outras considerações, a Turma concedeu a ordem de ofício, para anular o processo desde o julgamento pelo tribunal do júri e determinar outro seja realizado e ainda o direito de responder ao processo em liberdade, até decisão final transitada em julgado, salvo a superveniência de fatos novos e concretos que justifiquem a decretação de nova custódia. HC 234.758-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/6/2012.

Limite temporal da medida cautelar - 319 CPP


MEDIDA CAUTELAR. PREFEITO. AFASTAMENTO DO CARGO. MOMENTO E PRAZO.
As medidas cautelares alternativas à prisão preventiva – art. 319 do CPP, com redação dada pela Lei n.12.403/2011 –, são aplicáveis aos detentores de mandado eletivo, por tratar-se de norma posterior que afasta tacitamente a incidência da lei anterior. Assim, ao contrário do que dispõe o DL n. 201/1967, é possível o afastamento do cargo público eletivo antes do recebimento da denúncia. Quanto ao prazo da medida cautelar imposta, a Turma entendeu que é excessivo o afastamento do cargo por mais de um ano, como no caso, visto que ofende o princípio constitucional da duração razoável do processo, ainda mais por nem sequer ter ocorrido o oferecimento da denúncia. Ademais, o STJ firmou o entendimento de que o afastamento do cargo não deve ser superior a 180 dias, pois tal fato caracterizaria uma verdadeira cassação indireta do mandato. Precedentes citados: AgRg na SLS 1.500-MG, DJe 6/6/2012, e AgRg na SLS 1.397-MA, DJe 28/9/2011. HC 228.023-SC, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu, julgado em 19/6/2012.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Artigo que tive a honra de publicar em co-autoria com meu amigo André Myssior no IBCCRIM 235

Limites constitucionais à formação da prova no crime do art. 306 do código de trânsito brasileiro
André Myssior e Bruno César Gonçalves da Silva


MYSSIOR, André; SILVA, Bruno César Gonçalves da. Limites constitucionais à formação da prova no crime do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 235, p. 14-15, jun., 2012.
79 registros sobre o assunto Direção de Veículo sob a Influência de Álcool.


1. Introdução
Em 28.03.2012, a Terceira Seção do STJ concluiu o julgamento do REsp 1.111.566 tendo, por apertada maioria, decidido que, para fins de comprovação da ocorrência do crime previsto no art. 306 do CTB, com a redação dada pela Lei 11.705/2008 (Lei Seca), apenas a prova técnica é admissível.
Essa decisão fez recrudescer o debate sobre a segurança no trânsito, sendo referida decisão, com frequência, noticiada nos meios de comunicação com manchetes do tipo “STJ ‘esvazia’ Lei Seca” ou dizeres semelhantes.
De certa forma, a discussão em torno da referida decisão do STJ pôs em campos distintos e antagônicos, de um lado, a tutela da segurança pública e, de outro, a tutela dos direitos e garantias individuais asseguradas pela Constituição. Obviamente e, a despeito do que pode parecer, não são coisas mutuamente excludentes. Pelo contrário. Apenas a efetivação dos direitos e garantias fundamentais assegura uma sociedade justa, igualitária e segura.
De fato, há uma clara tendência no Direito Penal brasileiro de ampliação da tutela penal de bens jurídicos, sobretudo mediante a criação de novos tipos penais de perigo abstrato e com elementos normativos em profusão. Tudo isso na vã suposição de que a extensão da tutela penal a praticamente todos os campos da vida em sociedade é instrumento, por si só, apto a solucionar problemas sociais e trazer pacificação.
É precisamente neste contexto que se situa a Lei 11.705, de 19.07.2008, que ficou conhecida como “Lei Seca”. Referido diploma legal inseriu diversas modificações na Lei 9.503/1997, que instituiu o CTB. No que pertine ao objeto deste estudo, modificou o tipo penal previsto no art. 306, que prevê o crime de condução de veículo automotor em via pública sob a influência de álcool ou drogas.
Neste estudo se abordará a antiga e a atual estrutura do tipo penal em apreço para, a partir daí, explorar as implicações processuais, notadamente no campo do direito probatório.
2. A estrutura do tipo penal do art. 306 do CTB – Antes e após a “Lei Seca”
A redação original do art. 306 do CTB tinha o seguinte teor: “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.
Tratava-se, evidentemente, de um crime de perigo concreto. Para que houvesse tipicidade era necessária não só a prova da ingestão de álcool ou de substância de efeitos análogos, mas a prova do efetivo perigo de dano à incolumidade ou ao patrimônio alheios.
Com a entrada em vigor da Lei 11.705/2008, o art. 306 do CTB passou a vigorar com a seguinte redação: “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.
O que era, então, crime de perigo concreto tornou-se crime de perigo abstrato. Desonera-se, pois, a acusação da prova do efetivo perigo de dano, bastando à configuração do tipo penal a constatação da alcoolemia. Entretanto, não basta à acusação provar a ingestão de álcool para que se presuma o perigo; o tipo penal exige uma quantidade específica de dosagem alcoólica no sangue do condutor.
Se o que o legislador pretendeu com a transformação de um crime de perigo concreto em crime de perigo abstrato foi tornar mais fácil a punição do condutor que dirige após consumir álcool, o efeito foi inverso. Pelo menos se os ditames constitucionais e legais pertinentes à prova forem devidamente observados.
Isso porque, a despeito da supressão do perigo concreto no tipo, um elemento que era, na redação anterior do art. 306 normativo, passou a ser objetivo-descritivo. Ou seja, a tipicidade não é atingida por um juízo valorativo do intérprete. É atingida apenas a partir da prova que demonstre exatamente a ocorrência fática dessa elementar. E, pela própria natureza do elemento objetivo-descritivo do tipo que a Lei 11.705/2008 colocou no lugar do elemento normativo, essa prova tornou-se sobremaneira difícil. É sobre esses limites à atividade probatória e seu impacto na caracterização do atual tipo penal do art. 306 do CTB que trataremos adiante.
3. A prova necessária para o juízo positivo de tipicidade do crime do art. 306 do CTB
Já que a atual redação do art. 306 do CTB tem como elementar objetivo-descritiva do tipo a exata dosagem alcoólica por litro de sangue a partir da qual é incriminada a condução de veículo automotor em via pública, é evidente que a única prova apta a exonerar a acusação de seu ônus probatório é a pericial.
Não se trata aqui de tarifar provas, mesmo porque o processo acusatório não condiz com esse sistema. Mas de exigir-se, para desincumbência do ônus probatório, uma prova adequada para formar-se a cognitio acerca da ocorrência de um fato determinado relevante para o processo.
Tampouco se olvida aqui do art. 182 do CPP que, consagrando os princípios da livre apreciação das provas e do livre convencimento motivado, dispõe que “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”, o que significa que o juiz pode formar sua convicção com base em outras provas.
Entretanto, para que se verifique a existência dessa elementar objetivo-descritiva no caso concreto, não será possível ao juiz concluir pela existência do crime sem que haja prova pericial. Nem o art. 167 do CPP pode dispensar a realização da perícia. Se o tipo exige, para sua configuração, a verificação de uma dosagem alcoólica exata, mesmo quando os vestígios tenham desparecido, a prova testemunhal neste casoespecífico, não poderá suprir-lhe a falta. A máxima contribuição que a testemunha poderá fornecer serão suas impressões acerca do modo como o imputado se apresentava. Poderá relatar sintomas de embriaguez, mas jamais será capaz de atestar que o imputado possuía, ao tempo da ação, dosagem alcoólica igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue.
O que ficaria, portanto, provado pela prova exclusivamente testemunhal seriam os sintomas. Estes sintomas, mesmo que conhecidos e provados, permitiriam induzir apenas e tão somente a embriaguez do condutor; mas não permitiriam induzir a dosagem alcoólica no sangue superior à permitida. Ou seja, a prova testemunhal sequer é apta a formar indício do preenchimento da elementar do tipo a que nos referimos. Serviria para provar a existência do crime de dirigir sob influência de álcool conforme a redação antiga do tipo; não para provar a existência do crime conforme sua estrutura típica atual.
Ademais, conquanto as disposições do CPP acerca da produção da prova pericial sejam, naturalmente, aplicáveis, a disciplina legal não pode se esgotar aí. Isso porque toda a lógica da disciplina legal da prova pericial tem em conta o corpo de delito como sendo a vítima ou coisa que tenha relação com o fato. No caso do crime do art. 306 do CTB, há uma diferença essencial: o corpo de delito não é a vítima; é o próprio agente. E, sendo assim, além das disposições legais acerca da perícia, hão de ser observados os limites constitucionais e legais de obtenção de elementos de prova quando esses devem ser fornecidos pelo próprio imputado, isso é, quando a produção da prova depende de uma interferência do mesmo.
4. O nemo tenetur se detegere e a prova obtida pelo etilômetro e pela extração de sangue
O princípio do nemo tenetur se detegere é considerado garantia fundamental do cidadão e, mais especificamente, do imputado. Cuida-se do direito a não autoincriminação, que não se resume ao direito ao silêncio, sendo absolutamente impróprio tratar o direito ao silêncio como sinônimo do nemo tenetur se detegere.
O direito a não autoincriminação tem uma amplitude maior, da qual o direito ao silêncio é apenas um de seus aspectos, objetivando proteger o indivíduo contra excessos cometidos ao longo da persecução penal por quem quer que se lance na atividade probatória, incluindo-se nele o resguardo contra qualquer forma de atentado à liberdade de autodeterminação do imputado, a pretexto de se obter elementos de prova.
A análise do direito a não autoincriminação sempre vem à tona quando o meio de prova empregado, tal como o etilômetro e o exame de sangue, depende, para seu emprego, da cooperação do imputado, implicando umfacere por parte deste.
Cuidando-se o direito a não autoincriminação de garantia fundamental implícita, deve-se fixar a disciplina desta nos mesmos termos em que a Constituição Federal fixou a disciplina do direito ao silêncio, por analogia, pois ambos decorrem da mesma noção fixada pelo princípio do nemo tenetur se detegere.
Descendo ao campo infraconstitucional, não restará dúvidas de que o princípio nemo tenetur se detegere traz nítido limite à produção da prova no crime do art. 306 do CTB. E esse limite será encontrado, por analogia, na disciplina legal do interrogatório do imputado, na medida em que se trata de ato no qual há participação direta dele na formação da prova.
Na ideia original do CPP, o interrogatório do réu, isso é, sua intervenção pessoal e direta na formação da prova, era considerado unicamente um meio de prova e ato exclusivo do juiz.
A partir da vigência da CF de 1988, a visão da doutrina e da jurisprudência acerca da participação pessoal do réu no processo sofreu alteração profunda. De meio de prova, o interrogatório passou a ser visto como meio de defesa; de ato privativo do juiz passou a ser visto como faculdade do imputado.
Essa evolução chegou, finalmente, a ser positivada com a edição da Lei 10.729/2003, que alterou completamente a disciplina legal do interrogatório. A mais importante foi a determinação de que, não só o réu tem direito ao silêncio, como a de que seu silêncio não pode ser interpretado em desfavor de sua defesa. Mais, exige-se que o réu seja formalmente advertido pelo juiz não só acerca do direito ao silêncio, mas também acerca da inexistência de prejuízo na utilização da garantia.
Obviamente, a mesma lei estabelece que as disposições que traz sobre o interrogatório judicial do acusado aplicam-se, também, à sua oitiva no inquérito. Ou seja, a expressão do princípio da não autoincriminação que a Lei 10.792/2003 trouxe ao interrogatório judicial estendeu-se também à fase pré-processual.
Pode-se, então, afirmar que, ao ser ouvido no inquérito, o investigado tem que ser advertido de que tem o direito a permanecer em silêncio e que seu silêncio não será interpretado em prejuízo de sua defesa. Se não houver essa advertência, o interrogatório policial é nulo e, embora a nulidade no inquérito não contamine o processo, a prova obtida em sede inquisitorial com violação à Constituição é inadmissível no processo (CF, art. 5.º, LVI). As declarações que eventualmente preste terão sido, inexoravelmente, ilicitamente obtidas.
Mas se essa advertência é imposta não só pela lei, mas pelo princípio constitucional da não autoincriminação, ela é obrigatória não só na prova oral fornecida pelo investigado. É também obrigatória em qualquer contribuição corporal que o imputado forneça à persecução. Inclusive ao exame pericial.
Assim, se compete ao inquiridor, na polícia ou em Juízo, informar ao imputado sobre seu direito ao silêncio, deve também o agente incumbido da produção de qualquer prova informar o imputado sobre seu direito a não autoincriminar-se. Se não for dado ao imputado a ciência acerca de seu direito a não autoincriminação, as provas eventualmente obtidas no ato probatório, reputar-se-ão ilícitas.
Tal entendimento encontra precedente na jurisprudência do STF, que no julgamento do HC 80.949/RJ, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, fixou que:
“47. Elevando aí o nemo tenetur se detegere à alçada de garantia fundamental (...) na linha da construção da jurisprudência americana, a partir dos famosos casos Escobedo vs. Illinois (378 US 478 (1964) e Miranda vs. Arizona (384 US 436 (1969) –, impõe ao inquiridor, na polícia ou em juízo, o dever de advertência de seu privilégio contra a auto-incriminação.
48. A falta da advertência – e, como é óbvio, da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o acusado, ainda quando observadas as formalidades procedimentais do interrogatório”.
Assim, no que toca a realização do “teste do bafômetro” e do exame de sangue, compete ao agente incumbido da diligência o dever de informar ao imputado que o mesmo não está obrigado a colaborar na produção da prova que possa lhe incriminar.
Não cientificado o imputado de que ele tem o direito a não produzir prova contra si, ou seja, de que ele não está obrigado a soprar o etilômetro ou submeter-se à extração de sangue, tem-se como consequência a ilicitude da prova assim obtida, tal como ilícitas são as declarações que o imputado preste em seu desfavor, quando não lhe é previamente assegurado o direito ao silêncio.
O direito à prova não chega ao ponto de conferir ao órgão persecutor prerrogativas sobre o próprio corpo e a liberdade de escolha do imputado, pois se ninguém é obrigado a declarar-se culpado, certo é também que ninguém é obrigado a fornecer provas contra si mesmo.
Assim, não se garantindo ao imputado o direito de não produzir prova contra si mesmo e, pelo contrário, ainda admoestando-o, obrigando-o a fazer o “teste do bafômetro” ou o exame de sangue, com base no inconstitucional art. 277 da Lei 9.503/1997, tem-se que o resultado “concentração de álcool por litro de ar expelido dos pulmões” ou “concentração de álcool por litro de sangue”, terá sido ilicitamente obtido, em face da violação ao nemo tenetur se detegere, sendo inadmissível no processo.
5. Conclusão
O que se conclui é que, se observados os limites constitucionais à formação da prova, seria, na prática, próximo do impossível provar a existência do crime do art. 306 do CTB. Se o imputado for formal e expressamente cientificado do seu direito de se negar a se submeter ao teste do “bafômetro” e ao exame de sangue, é possível afirmar que quase ninguém aceitaria contribuir na produção da prova pericial.
Se essa constatação faz surgir temor de que, observados os princípios constitucionais que regem o processo penal, haverá aumento de insegurança nas ruas e estradas do Brasil, esse temor não se deve às garantias fundamentais. Deve-se à tendência contemporânea de criar mais e mais tipos penais de perigo abstrato e de tentar resolver todos os problemas da sociedade por meio do Direito Penal.
O crime de perigo concreto é, por definição, mais garantista do que o crime de perigo abstrato. E, conforme abordado, o revogado crime de perigo concreto do art. 306 do CTB mostrava-se muito mais apto a tutelar eficaz e constitucionalmente o bem jurídico incolumidade pública do que o atual crime de perigo abstrato.
Nota-se, então, que no julgamento do REsp 1.111.566 em 28.03.2012, a Terceira Seção do STJ fez, embora por apertada maioria, prevalecer a disciplina e as limitações à formação da prova previstas no plano constitucional.
André Myssior
Mestre em Ciências Penais pela UFMG.
Professor de Direito Penal e Processual Penal na Escola Superior Dom Helder Câmara em Belo Horizonte/MG.
Advogado.
Bruno César Gonçalves da Silva
Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-Minas.
Professor de Direito Processual Penal na Pós-graduação em Ciências Penais da Faculdade de Direito Milton Campos em Nova Lima/MG.
Advogado.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Regra que proíbe liberdade provisória a presos por tráfico de drogas é inconstitucional

Notícias do STF

Quinta-feira, 10 de maio de 2012
Regra que proíbe liberdade provisória a presos por tráfico de drogas é inconstitucional
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente habeas corpus para que um homem preso em flagrante por tráfico de drogas possa ter o seu processo analisado novamente pelo juiz responsável pelo caso e, nessa nova análise, tenha a possibilidade de responder ao processo em liberdade. Nesse sentido, a maioria dos ministros da Corte declarou, incidentalmente*, a inconstitucionalidade de parte do artigo 44** da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes.
A decisão foi tomada no Habeas Corpus (HC 104339) apresentado pela defesa do acusado, que está preso desde agosto de 2009. Ele foi abordado com cerca de cinco quilos de cocaína, além de outros entorpecentes em menor quantidade.
Argumentos
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a regra prevista na lei “é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios”.
O ministro afirmou ainda que, ao afastar a concessão de liberdade provisória de forma genérica, a norma retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, “analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais”.
Segundo ele, a lei estabelece um tipo de regime de prisão preventiva obrigatório, na medida em que torna a prisão uma regra e a liberdade uma exceção. O ministro lembrou que a Constituição Federal de 1988 instituiu um novo regime no qual a liberdade é a regra e a prisão exige comprovação devidamente fundamentada.
Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes indicou que o caput do artigo 44 da Lei de Drogas deveria ser considerado inconstitucional, por ter sido editado em sentido contrário à Constituição. Por fim, destacou que o pedido de liberdade do acusado deve ser analisado novamente pelo juiz, mas, desta vez, com base nos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
O mesmo entendimento foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Celso de Mello e pelo presidente, ministro Ayres Britto.
Fiança e liberdade provisória
De acordo com o ministro Dias Toffoli, a impossibilidade de pagar fiança em determinado caso não impede a concessão de liberdade provisória, pois são coisas diferentes. Segundo ele, a Constituição não vedou a liberdade provisória e sim a fiança.
O ministro Toffoli destacou regra da própria Constituição segundo a qual “ninguém será levado à prisão ou nela mantida quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.
Liberdade como regra
“A regra é a liberdade e a privação da liberdade é a exceção à regra”, destacou o ministro Ayres Britto. Ele lembra que chegou a pensar de forma diferente em relação ao caso: “eu dizia que a prisão em flagrante em crime hediondo perdura até a eventual sentença condenatória”, afirmou, ao destacar que após meditar sobre o tema alcançou uma compreensão diferente.
O presidente também ressaltou que, para determinar a prisão, é preciso que o juiz se pronuncie e também que a continuidade dessa prisão cautelar passe pelo Poder Judiciário. “Há uma necessidade de permanente controle da prisão por órgão do Poder Judiciário que nem a lei pode excluir”, destacou.
O ministro Celso de Mello também afirmou que cabe ao magistrado e, não ao legislador, verificar se se configuram ou não, em cada caso, hipóteses que justifiquem a prisão cautelar.
Divergência
O ministro Luiz Fux foi o primeiro a divergir da posição do relator. Ele entende que a vedação à concessão de liberdade provisória prevista no artigo 44 da Lei de Drogas é constitucional e, dessa forma, negou o habeas corpus. O ministro afirmou que “a criminalidade que paira no país está umbilicalmente ligada à questão das drogas”.
“Entendo que foi uma opção do legislador constituinte dar um basta no tráfico de drogas através dessa estratégia de impedir, inclusive, a fiança e a liberdade provisória”, afirmou.
Excesso de prazo
O ministro Marco Aurélio foi o segundo a se posicionar pela constitucionalidade do artigo e afirmou que “os representantes do povo brasileiro e os representantes dos estados, deputados federais e senadores, percebendo a realidade prática e o mal maior que é revelado pelo tráfico de entorpecentes, editou regras mais rígidas no combate ao tráfico de drogas”.
No entanto, ao verificar que o acusado está preso há quase três anos sem condenação definitiva, votou pela concessão do HC para que ele fosse colocado em liberdade, apenas porque há excesso de prazo na prisão cautelar.
O ministro Joaquim Barbosa também votou pela concessão do habeas corpus, mas sob o argumento de falta de fundamentação da prisão. Ele também votou pela constitucionalidade da norma.
Decisões monocráticas
Por sugestão do relator, o Plenário definiu que cada ministro poderá decidir individualmente os casos semelhantes que chegarem aos gabinetes. Dessa forma, cada ministro poderá aplicar esse entendimento por meio de decisão monocrática.
CM/AD

* O controle incidental de constitucionalidade se dá em qualquer instância judicial, por juiz ou tribunal, em casos concretos, comuns e rotineiros. Também chamada de controle por via difusa, por via de defesa, ou por via de exceção. Ocorre quando uma das partes questiona à Justiça sobre a constitucionalidade de uma norma, prejudicando a própria análise do mérito, quando aceita tal tese. Os efeitos (de não subordinação à lei ou norma pela sua inconstitucionalidade) são restritos ao processo e às partes, e em regra, retroagem desde a origem do ato subordinado à inconstitucionalidade da lei/norma assim declarada.
Dispositivos da Lei 11.343/2006
**Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

Processos relacionados
HC 104339

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ilicitude de prova obtida diretamente pelo MP junto à Receita, sem prévio controle jurisdicional


Fonte: Notícias do conjur 16/02/2012
AUTORIZAÇÃO NECESSÁRIA

Dipp considera ilícita prova obtida pelo MPE

O Ministério Público pode requisitar à Receita Federal apenas a confirmação de que doações feitas por pessoa física ou jurídica à campanha eleitoral obedecem ou não aos limites estabelecidos em lei. Se o montante doado ultrapassar esse limite, o MP Eleitoral deve pedir ao juiz que requisite à Receita os dados relativos aos rendimentos do doador. A afirmação é do ministro Gilson Dipp, do Tribunal Superior Eleitoral.
Em decisão monocrática, Dipp extinguiu representação do Ministério Público Eleitoral contra Kennedy de Souza Trindade, acusado de doação acima do limite legal em campanha eleitoral. Para o ministro, a prova obtida pelo MPE é ilícita já que colhida por meio de quebra do sigilo fiscal sem autorização judicial.
O Tribunal Regional Eleitoral de Goiás entendeu que o denunciado havia violado a Lei das Eleições. No artigo 23, é vedada a doação de valor superior a 10% dos rendimentos brutos do doador no ano anterior à eleição.
O MPE alegou que a jurisprudência mais atualizada tem reconhecido a legitimidade do Ministério Público para requisição de documentos e informações diretamente à Receita Federal, sem prévia anuência judicial. Já Kennedy Trindade argumentou que seria ilícita a quebra do sigilo fiscal por ordem do Ministério Público sem autorização prévia do Poder Judiciário. Com informações da Assessoria de Imprensa do TSE.
Leia a decisão
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Kennedy de Souza Trindade de decisão que inadmitiu recurso especial fundado no artigo 121, § 4º, I e II, da Constituição Federal e no artigo 276, I, a e b, do Código Eleitoral. O acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás está assim ementado, verbis (fl. 145):
REPRESENTAÇÃO ELEITORAL BASEADA EM DIRPF ORIGINAL. DOAÇÃO POR PESSOA FÍSICA ACIMA DO LIMITE LEGAL. INIDONEIDADE DA DIRPF RETIFICADORA. PRELIMINARES AFASTADAS.
1) Rejeição das preliminares de ilicitude da prova (informações fiscais requisitadas pelo MPE), na forma da legislação de regência (CF/88, art. 5º, LVI e art. 129, VI; LC 75, art. 8º, II; Resolução TSE 22.250/2006, art. 14, § 4º, CPC, art. 332).
2) Configuração da infração do art. 23, § 1º, I da Lei 9.504/97 e ausência de causa de exclusão da responsabilidade.
3) Reconhecimento dos efeitos probatórios da DIRPF original.
4) Afastamento, no âmbito do Direito Eleitoral, dos efeitos da DIRPF retificadora, apresentada pelo doador pessoa física à administração tributária após a doação, a apresentação da representação e a notificação judicial para a respectiva defesa, desacompanhada de prova documental dos atos jurídicos que, alegadamente, respaldariam a retificação.
5) Cominação no mínimo legal da pena pecuniária do § 3º do art. 23 da Lei 9.504/97, diante da ausência de circunstâncias legais e judiciais de majoração.
A decisão agravada fundamenta-se na ausência de condições de admissibilidade do recurso especial. A uma, porque não haveria falar em nulidade do feito por ilicitude da prova carreada aos autos pelo Ministério Público Eleitoral sem autorização judicial, visto que o suposto vício não teria sido arguido durante a fase instrutória, assim como não constitui prova única utilizada pelo Regional. A duas, uma vez que a análise da ocorrência de violação ao princípio da boa-fé objetiva demandaria o reexame de prova, inviável nesta instância especial.
O agravante alega violação aos artigos 5º, X e LVI, e 129, VIII, da Constituição Federal; artigo 8º, II, da Lei Complementar nº 73/93; artigo 198, § 1º, II, da Lei nº 5.172/66 (CTN); artigo 14, § 4º, da Res.-TSE nº 22.250/2006; e artigo 332 da Lei nº 5.869/73 (CPC), sob o argumento de que seria ilícita a quebra do sigilo fiscal por ordem do Ministério Público sem autorização prévia do Poder Judiciário, gerando nulidade de todas as provas colhidas no feito, em observância à Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada; aos artigos 113, 167 e 168, parágrafo único, do Código Civil e ao artigo 333, I, do Código de Processo Civil, já que o acórdão regional, ao analisar a retificadora da sua Declaração de Imposto de Renda, teria presumido, sem provas suficientes, a prática de um negócio jurídico simulado.
Aponta precedentes desta Corte e de Tribunais Regionais Eleitorais para respaldar sua argumentação.
Nas contrarrazões (fls. 178-193), o recorrido assevera que a doutrina mais moderna e a jurisprudência mais atualizada têm reconhecido a legitimidade do Ministério Público para requisição de documentos e informações diretamente à Receita Federal, sem prévia anuência judicial e que não foi realizado o devido cotejo jurisprudencial com os precedentes citados no recurso.
A Procuradoria-Geral Eleitoral pronuncia-se pelo não conhecimento do agravo ou, caso não seja esse o entendimento, seu desprovimento (fls. 198-204) e ainda desprovimento do recurso, caso este venha a ser apreciado.
Decido.
Tendo em vista as razões do agravo, dou-lhe provimento e passo de imediato à análise do recurso especial, porquanto devidamente contra-arrazoado (artigo 36, § 4º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral).
Assiste razão ao recorrente.
De fato, é considerada prova ilícita aquela colhida mediante quebra do sigilo fiscal sem a autorização judicial respectiva.
Destaco da pacífica jurisprudência desta Corte quanto ao tema, dentre outros, precedente da relatoria do eminente Ministro MARCELO RIBEIRO (AgR-REspe nº 7875839-60/DF), julgado na sessão de 3.2.2011:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO DE RECURSOS DE CAMPANHA. QUEBRA DE SIGILO FISCAL. CONVÊNIO FIRMADO ENTRE O TSE E A SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. PRESERVAÇÃO DO DIREITO À PRIVACIDADE. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA Nº 182/STJ. DESPROVIMENTO.
1. Constitui prova ilícita aquela colhida mediante a quebra do sigilo fiscal do doador, sem autorização judicial. Precedente: AgR-REspe nº 82.404/RJ, rel. Min. Arnaldo Versiani, Sessão de 4.11.2010.
2. Ao Ministério Público ressalva-se a possibilidade de requisitar à Secretaria da Receita Federal apenas a confirmação de que as doações feitas pela pessoa física ou jurídica à campanha eleitoral obedecem ou não aos limites estabelecidos na lei.
3. Havendo a informação de que o montante doado ultrapassou o limite legalmente permitido, poderá o Parquet ajuizar a representação prevista no art. 96 da Lei n° 9.504/97, por descumprimento aos arts. 23 e 81 da mesma lei, e pedir ao juiz eleitoral que requisite à Receita Federal os dados relativos aos rendimentos do doador.
4. Mesmo com supedâneo na Portaria Conjunta SRF/TSE nº 74/2006, o direito à privacidade, nele se incluindo os sigilos fiscal e bancário, previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal, deve ser preservado, mediante a observância do procedimento acima descrito.
5. Agravo regimental desprovido. (grifo nosso)
Pelo exposto, com fundamento no artigo 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, dou provimento ao recurso especial para extinguir a representação.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 14 de fevereiro de 2012.
MINISTRO GILSON DIPP
RELATOR

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Decreto 7.627 - Regulamente a monitoração eletrônica

DECRETO Nº 7.627, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2011.
 
Regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e na Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no inciso IX do art. 319 no Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e nos arts. 146-B, 146-C e 146-D da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal,
DECRETA:
Art. 1o  Este Decreto regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no inciso IX do art. 319 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e nos arts. 146-B146-C e 146-D da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal.
Art. 2o  Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização.
Art. 3o  A pessoa monitorada deverá receber documento no qual constem, de forma clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período de vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração.
Art. 4o  A responsabilidade pela administração, execução e controle da monitoração eletrônica caberá aos órgãos de gestão penitenciária, cabendo-lhes ainda:
I - verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas na decisão judicial que autorizar a monitoração eletrônica;
II - encaminhar relatório circunstanciado sobre a pessoa monitorada ao juiz competente na periodicidade estabelecida ou, a qualquer momento, quando por este determinado ou quando as circunstâncias assim o exigirem;
III - adequar e manter programas e equipes multiprofissionais de acompanhamento e apoio à pessoa monitorada condenada;
IV - orientar a pessoa monitorada no cumprimento de suas obrigações e auxiliá-la na reintegração social, se for o caso; e
V - comunicar, imediatamente, ao juiz competente sobre fato que possa dar causa à revogação da medida ou modificação de suas condições.
Parágrafo único.  A elaboração e o envio de relatório circunstanciado poderão ser feitos por meio eletrônico certificado digitalmente pelo órgão competente.
Art. 5o  O equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada.
Art. 6o  O sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada.
Art. 7o  O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em virtude de suas atribuições.
Art. 8o  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 24 de novembro  de 2011; 190º da Independência e 123º da República.
DILMA ROUSSEFFJosé Eduardo Cardozo
Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.11.2011