quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A garantia constitucional contra auto-incriminação se estende a todas as pessoas sujeitas a investigações - HC 88.703-MC - STF

HC 88.703-MC, Re. Min. Cezar Peluzo, Decisão Monocrática

DECISÃO:  1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar,   impetrado em favor de JOÃO ARCANJO RIBEIRO, em que aponta como   autoridade coatora o Senador EFRAIM MORAES, Presidente da   Comissão Parlamentar de Inquérito ("CPI dos Bingos").
Narra o   impetrante que, por delegação da autoridade apontada como   coatora, foi formada comissão composta por 06 (seis) senadores,   que, amanhã, 09 de maio, às 9h, ouvirá o paciente, atualmente   recolhido preso na Ala Federal do Presídio Pascoal Ramos, em   Cuiabá/MT, "sobre sua relação com jogos de azar, com transportes   urbanos e com o seu possível envolvimento no assassinado do   ex-prefeito de Santo André, São Paulo, Celso Daniel, ocorrido em   janeiro de 2002" (fls. 03).
Diante da iminência do ato  receado, e porque já está recolhido preso, requer concessão de   liminar unicamente para "invocar o direito de recusar-se a   responder a perguntas cujos esclarecimentos possam acarretar-lhe   prejuízo jurídico" (fls. 05). No mérito, requer o deferimento   definitivo da ordem nos mesmos termos.
2.      É caso de   liminar.
Conquanto falte a esta impetração adequada instrução   documental - segundo o impetrante, a despeito das diligências   empreendidas para obtenção dos documentos necessários, não logrou   êxito em consegui-los -, aceito o fato alegado na inicial e   veiculado pela imprensa (fls. 07-10), face à urgência do pedido   cautelar.
É entendimento firme e aturado desta Corte que, nos   termos da Constituição da República (art. 58, § 3º), as Comissões   Parlamentares de Inquérito têm todos os "poderes de investigação   próprios das autoridades judiciais", mas nenhum além desses.
   Estão, portanto, submissas aos mesmos limites constitucionais e   legais, de caráter formal e substancial, oponíveis aos juízes no   desempenho de idênticas funções. E um deles é o dever de   respeitar a garantia constitucional contra auto-incriminação   (art. 5º, inc. LXIII), cuja manifestação mais expressiva está no
   direito ao silêncio de que gozam acusados e suspeitos (HC nº   79.812, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 16.02.2001; HC nº   86.232-MC, rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 01.08.2005; HC nº   79.244, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.03.2000; HC nº   87.971-MC, rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 21.02.2006; HC nº   83.775-MC, rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ de 09.12.2003).
Não obstante a possível dúvida a respeito do teor da convocação do   paciente, se lhe formaliza ou não a condição de investigado,   pode-se inferir que é esta a condição que lhe advém das notícias   veiculadas pela imprensa (fls. 07-10). Nesse sentido, HC nº   86.232-MC, rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 22.08.2005.
Além  disso, não menos aturada e firme a jurisprudência deste Tribunal   no sentido de que a garantia constitucional contra   auto-incriminação se estende a todas as pessoas sujeitas aos   poderes instrutórios das Comissões Parlamentares de Inquérito,   assim aos indiciados mesmos, ou, recte, envolvidos, investigados,
   ou suspeitos, como às que ostentem a só qualidade de   testemunhas, ex vi do art. 406, I, do Código de Processo Civil,  cc. art. 3º do Código de Processo Penal e art. 6º da Lei nº   1.579, de 18 de março de 1952 (HC nº 73.035, Tribunal Pleno, rel.   Min. CARLOS VELLOSO, DJ de 19.12.1996; HC nº 79.244, rel. Min.   SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 24.03.2000; HC nº 78.814-MC, rel. Min.   MARCO AURÉLIO, DJ de 09.02.1999; HC nº 83.648, rel. Min. CELSO DE   MELLO, DJ de 28.10.2003; HC nº 84.089-MC, rel. Min. CEZAR   PELUSO, DJ de 25.03.2004, HC nº 85.502- MC, rel. Min. CEZAR
   PELUSO, DJ de 23.02.2005; HC nº 86.849-MC, rel. Min. CEZAR   PELUSO, DJ de 13.10.2005).
De tal garantia decorre, para a   pessoa sob investigação ou para a testemunha que apenas ostenta
   tal título, o direito de (i) manter silêncio diante de perguntas   cuja resposta possa implicar-lhe auto-incriminação, (ii) não ter   o silêncio interpretado em seu desfavor e (iii) não ser presa em   flagrante ou processada por exercício dessa prerrogativa   constitucional, sob pretexto da prática de crime de desobediência   (art. 330 do Código Penal), nem tampouco de falso testemunho   (art. 342 do mesmo Código).
Se há justo receio de ser o   direito ao silêncio infringido, deve-se deferir ao paciente a   medida cautelar que evite possível constrangimento (HC nº   87.971-MC, rel. Min. GILMAR MENDES, DJ de 21.02.2006)
É o que   convém a este caso.
3.      Isto posto, concedo liminar, para   garantir ao paciente, convocado a depor perante já aludida
   Comissão ("CPI dos Bingos"), o uso da prerrogativa de permanecer   em silêncio, se, da resposta à pergunta que lhe for formulada,   puder, a seu critério ou a critério de seu(s) advogado(s),   derivar-lhe risco de auto-incriminação. Com relação aos fatos que   não impliquem auto-incriminação, persiste o dever de o depoente   prestar informações.
Comunique-se o teor desta decisão, com   máxima urgência, à autoridade, Senador Efraim Moraes, Presidente  da Comissão Parlamentar de Inquérito ("CPI dos Bingos") e  requisitem-se-lhe informações.
Após, vista à  Procuradoria-Geral da República.
Publique-se.
   Int.
Brasília, 08 de maio de 2006.
Ministro CEZAR PELUSO
Relator

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