quarta-feira, 16 de março de 2011

Nulidade absoluta da decisão que aplica o artigo 265 do CPP sem observância do Devido Processo Legal - Diferença entre ausência a ato do processo e abandono do processo - STJ

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 32.742 - MG (2010/0139200-1)
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
RECORRENTE : BRUNO CÉSAR GONÇALVES DA SILVA
ADVOGADO : BRUNO CESAR GONCALVES DA SILVA (EM CAUSA
PRÓPRIA)
RECORRIDO : ESTADO DE MINAS GERAIS
E
PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SANÇÃO AO
ADVOGADO QUE ABANDONA A CAUSA SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO
JUÍZO (NÃO COMPARECIMENTO A AUDIÊNCIA). ART. 265 DO CPP.
DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL (ART. 5o., LIV E LV DA CF/88).
RECURSO PROVIDO.
1. Não é lícito ao Advogado abandonar sem justo motivo previamente comunicado ao Juízo, o patrocínio da causa, no momento da realização de ato processual ao qual, devidamente intimado, deve comparecer, por configurar, prima facie, menoscabo às atividades do Poder Judiciário, nas quais desempenha função essencial e insubstituível (art. 133 da Carta Magna).
2. Não se deve confundir a ausência a determinado ato processual com o abandono do processo, tal como previsto no art. 265 do CPP (redação da Lei 11.719/08), tanto que cumpre ao Juiz, em tal hipótese, se for o caso, nomear defensor substituto, como dispõe o art. 265, § 2º do CPP (redação da Lei 11.719/08), mas sem afastar a atuação do causídico em atos processuais futuros.
3. A aplicação de qualquer sanção, ainda que de cunho administrativo, mas com reflexo patrimonial, se sujeita aos rígidos padrões de procedimento que integram o due process of law (justo processo jurídico), que não  admite a noção de responsabilidade objetiva por ato infracional disciplinar, a exigir a devida apuração de sua prática e do correspondente contexto circunstancial em que ocorreu, haja vista o disposto nos incisos LIV e LV do art. 5o. da Constituição Federal.
4. Cabe ao Juiz prover medidas de pronta eficácia para impedir delongas processuais, inclusive suscitando ao órgão de classe dos Advogados a adoção de sanções administrativas, mas deve abster-se de exercer diretamente essa atividade de controle disciplinar.
5. Recurso a que se dá provimento, para conceder a ordem de segurança.
A
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
MENTA CÓRDÃO
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notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Sustentou oralmente: Dra. Jessica Maria Gonçalves da Silva (p/ recte).
Brasília/DF, 15 de fevereiro de 2011 (Data do Julgamento).
N
MINISTRO RELATOR
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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 32.742 - MG (2010/0139200-1)
RECORRENTE : BRUNO CÉSAR GONÇALVES DA SILVA
ADVOGADO : BRUNO CESAR GONCALVES DA SILVA (EM CAUSA PRÓPRIA)
RECORRIDO : ESTADO DE MINAS GERAIS
R
1. Trata-se de Recurso em Mandado de Segurança interposto por BRUNO CÉSAR GONÇALVES DA SILVA em adversidade ao acórdão proferido pela 1a. Câmara Criminal do TJMG, que, por maioria de votos, denegou a segurança. O aresto restou assim ementado:
RELATOR : MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHOELATÓRIO
EMENTA. MANDADO DE SEGURANÇA. ABANDONO PROCESSUAL PELO ADVOGADO. MULTA ARBITRADA. VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. MEDIDA JUDICIAL AMPARADA LEGALMENTE. ORDEM DENEGADA.
2. Na origem, o ora recorrente, Advogado regularmente inscrito na OAB/MG, impetrou mandado de segurança contra decisão proferida pela douta Juíza da 7a. Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte, consistente na determinação de pagamento de multa no valor de 03 salários mínimos, por abandono injustificado de processo, nos termos do art. 265 do CPP.
3. Sustenta o recorrente, em resumo, o seguinte:
(fls. 93).
Não poderia a Autoridade Judiciária, tampouco os Desembargadores
da 1a. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, presumirem, em um salto indutivo não comprovado pelos fatos - que a ausência do Recorrente à Audiência equivaleria ao abandono injustificado do processo; Nenhuma restrição ou privação patrimonial, seja oriunda de decisão administrativa ou judicial, pode ser tomada ao arrepio das garantias do devido processo legal, contraditório e ampla defesa; Falta competência aos Magistrados para aplicarem sanções administrativas a Advogados, demonstrando a crassa inconstitucionalidade do dispositivo presente no artigo 265 do Código de Processo Penal.
4. O MPF, em parecer subscrito pela ilustre Subprocuradora-Geral da República, manifestou-se pelo conhecimento e não
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provimento do recurso, pelos fundamentos assim sumariados:
RMS. PROCESSO PENAL. MULTA PROCESSUAL. ABANDONO DA CAUSA (CARACTERIZAÇÃO/DEVIDO PROCESSO LEGAL/COMPETÊNCIA). CONHECIMENTO.
MÉRITO. MATÉRIA OBJETO DA ADIn 4.398/DF (Parecer 2984 -
PGR-RG). Pendente de julgamento.
MULTA. ABANDONO DA CAUSA. Não justificada/informada ausência à audiência. Caracterização.
MULTA PROCESSUAL. Instrumento de Administração da Justiça. Competência de Órgão Jurisdicional.
Pelo conhecimento e não provimento do Recurso.
Ação Direta de Inconstitucionalidade do art. 1o. da Lei 11.719/2008 (que deu nova redação ao CPP - art. 265), pendente de julgamento - com Parecer do Sr. Procurador-Geral da República pela não procedência.
Natureza processual da multa, sendo competente para aplicá-la a Autoridade Judiciária. A multa do CPP - art. 265 não tem natureza disciplinar, sendo instrumento de garantia da Administração da Justiça.
Fundamentada a Decisão que cominou multa ao Advogado, não havendo, ainda, justificativa ou aviso ao Juízo pelo não comparecimento ao ato judicial ao qual foi intimado o ora Recorrente.
5. É o relatório.
(fls. 154).
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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 32.742 - MG (2010/0139200-1)
RECORRENTE : BRUNO CÉSAR GONÇALVES DA SILVA
ADVOGADO : BRUNO CESAR GONCALVES DA SILVA (EM CAUSA
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PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SANÇÃO AO ADVOGADO QUE ABANDONA A CAUSA SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO JUÍZO (NÃO COMPARECIMENTO A AUDIÊNCIA). ART. 265 DO CPP. DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL (ART. 5o., LIV E LV DA CF/88). RECURSO PROVIDO.
1. Não é lícito ao Advogado abandonar sem justo motivo previamente comunicado ao Juízo, o patrocínio da causa, no momento da realização de ato processual ao qual, devidamente intimado, deve comparecer, por configurar, prima facie, menoscabo às atividades do Poder Judiciário, nas quais desempenha função essencial e insubstituível (art. 133 da Carta Magna).
2. Não se deve confundir a ausência a determinado ato processual com o abandono do processo, tal como previsto no art. 265 do CPP (redação da Lei 11.719/08), tanto que cumpre ao Juiz, em tal hipótese, se for o caso, nomear defensor substituto, como dispõe o art. 265, § 2º do CPP (redação da Lei 11.719/08), mas sem afastar a atuação do causídico em atos processuais futuros.
3. A aplicação de qualquer sanção, ainda que de cunho administrativo, mas com reflexo patrimonial, se sujeita aos rígidos padrões de procedimento que integram o due process of law (justo processo jurídico), que não admite a noção de responsabilidade objetiva por ato infracional disciplinar, a exigir a devida apuração de sua prática e do correspondente contexto circunstancial em que ocorreu, haja vista o disposto nos incisos LIV e LV do art. 5o. da Constituição Federal.
4. Cabe ao Juiz prover medidas de pronta eficácia para impedir delongas processuais, inclusive suscitando ao órgão de classe dos Advogados a adoção de sanções administrativas, mas deve abster-se de exercer diretamente essa atividade de controle disciplinar.
5. Recurso a que se dá provimento, para conceder a ordem de
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segurança.
1. Pelo que se depreende das informações prestadas pelo MM. Juiz de Direito ao Tribunal de comparecer à audiência marcada para 06.10.2009, sem apresentar qualquer justificativa, embora regularmente intimado, tal como já havia feito na audiência designada para o dia 28.02.2008.
2. No que interessa, o Tribunal Mineiro concluiu o seguinte:
atribuições do Poder Público.
Destarte, o primeiro requisito para a ação mandamental, assentada
em pressupostos constitucionais, é a existência comprovada, de plano, de
direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data.
(...).
No caso em exame, não se vislumbra a existência de direito líquido e certo, não restando demonstrado, ainda, que a decisão guerreada seja ilegal ou teratológica.
Com efeito, consta dos autos que o impetrante foi condenado ao pagamento de multa de três salários mínimos por abandono do processo, tendo em vista o seu não comparecimento à audiência designada para o dia 06.10.2009, embora devidamente intimado.
Prefacialmente, cumpre consignar que não vislumbro a alegada inconstitucionalidade do art. 265 do Código de Processo Penal, que com a reforma processual introduzida pela Lei 11.719/2008, teve ser caput modificado, atualizando-se o valor da multa para 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos. A aplicação do referido dispositivo pelo juiz da causa não acarreta em nenhum prejuízo as demais sanções cabíveis constantes do Estatuto da OAB.
a quo, a multa foi aplicada porque o ora recorrente deixou De acordo com o inciso LXIX do artigo 5o da Constituição Federal, conceder-se-a mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
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No caso em questão, a referida multa foi arbitrada em razão do não comparecimento do advogado a audiência anteriormente designada, na qual o mesmo foi devidamente intimado, entretanto, sequer trouxe a estes autos justificativa para o seu não comparecimento. Ressalte-se que a MMa.
Magistrada a quo, ao prestar esclarecimentos a esta Egrégia Corte, informou, ainda, que não é a primeira vez que o i. advogado não comparece em audiência designada naquele feito, uma vez que, embora devidamente intimado, também não esteve presente na audiência realizada no dia 28.02.2008.
Portanto, a decisão que decretou o pagamento de multa ao impetrante, além de encontrar amparo legal, está suficientemente fundamentada (fls. 40/41), nela não detectando irregularidade alguma que merecesse, de plano, a decretação de qualquer nulidade de mold ea fazer cessar seus efeitos.
Noutro norte, a impetração não fez prova alguma de qualquer impossibilidade imperiosa que justificasse a ausência do defensor na referida audiência, não cuidando o postulante de trazer comprovação indiscutível, completa e inquestionável do suposto direito líquido e certo, que não passa de mera alegação.
(...).
Frise-se, por fim, conforme bem salientado pela d. Magistrada de 1a. Instância, que as audiências não podem ser realizadas sem a presença do Advogado, fato este que, por si só, configura, sim, prejuízo ao réu.
Ademais, é sabido por todos que as pautas das varas criminais são insuficientes quando comparadas à grande quantidade de processos, de modo que o adiamento da audiência acarreta em morosidade da Justiça, gerando insatisfação por parte de toda sociedade.
Assim, em respeito àqueles que compareceram à audiência, as faltas injustificadas por parte do Advogado devem ser exemplarmente coibidas.
Ante o exposto, em consonância com o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, DENEGO A ORDEM, nos termos upradelineados. Sem custas.
3. Não é lícito ao Advogado abandonar sem justo motivo previamente comunicado ao Juízo, o patrocínio da causa, no momento da realização de ato processual ao qual, devidamente intimado, deve comparecer, por
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configurar, desempenha função essencial e insubstituível (art. 133 da Carta Magna), por isso que se expõe a sanção do art. 265 do CPP.
4. Todavia, a aplicação de qualquer sanção, ainda que de cunho administrativo, mas com reflexo patrimonial, se sujeita aos rígidos padrões  e procedimento que integram o admite a noção de responsabilidade objetiva por ato infracional disciplinar, a exigir a devida apuração de sua prática e do correspondente contexto circunstancial em que ocorreu, haja vista o disposto nos incisos LIV e LV do art. 5o. da Constituição Federal.
5. Ademais, como bem lembrou o douto voto vencido proferido pelo ilustre Desembargador convocado PAULO CÉZAR DIAS, o legislador deveria ter corrigido o termo significa, tecnicamente, o abandono do processo, pois ao causídico ainda é possível atuar nos autos enquanto possuir regular instrumento de mandato.
6. Embora os parágrafos 1o. e 2o. do art. 265 deixem antever que o legislador procurou identificar a ausência a audiência como um tipo de abandono do processo, o termo (abandono) mostra-se inadequado, dada a sua caracterisitca de definitividade, o que não se conclui diante da falta a um ato processual. 
7. Ao meu sentir, o Juiz, para impedir delongas processuais causadas por Advogados, deve informar a Ordem dos Advogados, requerendo a adoção de sanções administrativas, devendo abster-se de exercer diretamente essa atividade de controle disciplinar.
8. Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para conceder a segurança, declarando nula a decisão impugnada (art. 5o., LIV e LV da CF/88).
Por isso, apenas por meio da instauração de um mínimo de contraditório poder-se-á evitar a adoção de medidas absolutamente desproporcionais e alheias ao verdadeiro significado da norma.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2010/0139200-1
MATÉRIA CRIMINAL
PROCESSO ELETRÔNICO RMS 32.742 / MG
Números Origem: 10000064344658 10000064355514 10000095096244 24069970523
50962445420098130000
PAUTA: 15/02/2011 JULGADO: 15/02/2011
Relator
Exmo. Sr. Ministro
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JORGE MUSSI
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : BRUNO CÉSAR GONÇALVES DA SILVA
ADVOGADO : BRUNO CESAR GONCALVES DA SILVA (EM CAUSA PRÓPRIA)
RECORRIDO : ESTADO DE MINAS GERAIS
ASSUNTO: DIREITO PENAL
SUSTENTAÇÃO ORAL
SUSTENTOU ORALMENTE: DRA. JESSICA MARIA GONÇALVES DA SILVA (P/ RECTE)
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do
TJ/RJ), Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 15 de fevereiro de 2011
LAURO ROCHA REIS
Secretário
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APOLEÃO NUNES MAIA FILHOINISTRO

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