sábado, 22 de janeiro de 2011

Interceptação da comunicação telefônica. Excesso de prazo. Juntada tardia nos autos das transcrições das interceptações telefônicas. Nulidade insanável. Falta de defesa. STJ

Direito Processual Penal. Lei de interceptação da comunicação telefônica. Excesso de prazo. Juntada tardia nos autos das transcrições das interceptações telefônicas. Nulidade insanável. Falta de defesa.Nilson Naves

Superior Tribunal de Justiça
6ª Turma - HC 92.397 -
j. 23.02.2010 public. - 04.10.2010
Cadastro IBCCRIM 1007
Relatório
O SENHOR MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE): Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de S.L.A., denunciado por formação de quadrilha e tráfico de influência, delitos previstos, respectivamente, nos artigos 288 e 332, ambos do Código Penal, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo que denegou o writ ali manejado.
Busca a impetração ver anulado o processo-crime a partir do interrogatório do paciente por cerceamento de defesa decorrente da juntada tardia das transcrições das gravações das interceptações telefônicas realizadas pela polícia. Alega, para tanto, que não foi possível consultar tais documentos por ocasião do interrogatório, tampouco da ouvida das testemunhas de acusação, tendo a defesa ficado ‘impossibilitada de contraditar as testemunhas de forma a provar que o paciente não praticou o crime do qual é acusado’.
Aduz, ademais, que o indeferimento do pedido de realização de perícia de voz nas respectivas gravações está desprovido da devida fundamentação. Enfatiza que ‘o requerimento do pedido de realização de perícia nas vozes interceptadas embasa-se na alegação do paciente de nunca ter feito qualquer contato com as supostas vítimas como narra a denúncia, e certamente que o indeferimento da realização dessa prova traz imensurável prejuízo para o peticionário, que quer ver provada sua inocência’.
A liminar foi indeferida pelo então relator, Ministro Paulo Gallotti (fl. 89).
Notificados, prestaram informações o Juiz de primeiro grau às fls. 97/98, e o Tribunal de origem às fls. 112/114.
A douta Subprocuradoria-Geral da República, ao manifestar-se (fls. 116/123), opinou pela denegação da ordem.
Os autos foram a mim atribuídos (fl. 133).
É o relatório
Voto-vista (vencedor)
O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Segundo a lei, a interceptação, em autos apartados, é apensada aos autos do inquérito policial ou do processo criminal (art. 8º). Também, segundo a lei (art. 6º, § 2º), cabe à autoridade policial, uma vez cumprida a diligência, encaminhar o resultado da interceptação ao juiz. Mas, no caso presente, isso não aconteceu assim e assim. Quando do interrogatório, observem, mesmo ainda quando da audiência das testemunhas de acusação, o resultado da interceptação ainda não se encontrava apensado aos autos do processo criminal. Quando do interrogatório do ora paciente, fez lá a defesa constar do respectivo termo: ‘... foi solicitado que ficasse consignado a ausência das degravações da delegacia o que prejudica sensivelmente a defesa do seu cliente.’ Há notícia, segundo o acórdão do habeas de origem, de que ‘as degravações foram acostadas aos autos ainda durante a fase instrutória, pendente a oitiva de testemunhas de defesa; portanto, caso o acusado queira basear nas degravações suas perguntas às testemunhas, poderá fazê-lo, sem qualquer prejuízo’. Disse-se mais no acórdão estadual:
‘As degravações de conversas telefônicas, como é cediço, dependem de lavor meticuloso, que demanda razoável tempo dos profissionais competentes. E somente após o fim dos trabalhos técnicos os laudos respectivos adentram aos autos.
Não se deve apressar a tarefa minuciosa que se desenvolve em torno das interceptações telefônicas, até para não se incorrer em prejuízo maior à intimidade dos envolvidos, haja vista que podem vir transcritos, indevidamente, trechos das conversas que não tenham relação direta com a lide, e devam, por isso mesmo, quedar segregados.
Não há tempo fixado em lei para a juntada das degravações aos autos do processo-crime. E não seria razoável exigir-se que adentrassem elas aos autos antes do início da inquirição das testemunhas, mormente porque a acusação não se limita às conversas telefônicas interceptadas.
E se nenhum prejuízo se causou à defesa, pela ausência das degravações, não há falar em anulação do processo.’
Entre nós, o ilustre Relator também refutou a alegação de nulidade - é que, em suma, prejuízo algum para o réu se provou.
A meu ver, no entanto, e com todo o respeito, o caso não é de deficiência - quando se pressupõe a prova do prejuízo -, mas caso que se equipara ao de falta de defesa - quando não se exige que se prove o prejuízo. A presunção, e toda ela, a meu ver, em benefício do réu, é no sentido de que aqui a defesa se viu tolhida, daí a violação do princípio que assegura a ampla defesa, já que não se conheceu o resultado da interceptação nem quando do interrogatório, nem quando da audiência das testemunhas de acusação. Isso se me afigura suficiente a fim de ter aqui por inquestionavelmente prejudicada a defesa - trata-se de coisa que fala por si mesma (in re ipsa). A violabilidade do sigilo das comunicações telefônicas é exceção, a inviolabilidade é que é a regra (“são invioláveis o sigilo...”, conforme o inciso XII do art. 5º). Por isso é que haveremos de ter todo cuidado com a interceptação, e haveremos porque isso tem a ver com a dignidade da pessoa humana. A ninguém mais e a ninguém menos do que ao interceptado assiste, é bem verdade, o direito - líquido e certo, acrescentaria - de amplo conhecimento do resultado da interceptação a fim de que, obviamente, possa desenvolver a sua defesa, certamente que ampla, e a plenitude de defesa acontece, se não antes mesmo, acontece já no início da ação penal, e não, não mesmo, depois, e depois, e depois, por exemplo, já quando da audiência das testemunhas da defesa, como aqui teria acontecido.
Com a vênia do ilustre Relator, concedo a ordem, de sorte que anulo o processo desde e inclusive o interrogatório.
Nilson Naves
Relator para acórdão

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