sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ilicitude de prova obtida diretamente pelo MP junto à Receita, sem prévio controle jurisdicional


Fonte: Notícias do conjur 16/02/2012
AUTORIZAÇÃO NECESSÁRIA

Dipp considera ilícita prova obtida pelo MPE

O Ministério Público pode requisitar à Receita Federal apenas a confirmação de que doações feitas por pessoa física ou jurídica à campanha eleitoral obedecem ou não aos limites estabelecidos em lei. Se o montante doado ultrapassar esse limite, o MP Eleitoral deve pedir ao juiz que requisite à Receita os dados relativos aos rendimentos do doador. A afirmação é do ministro Gilson Dipp, do Tribunal Superior Eleitoral.
Em decisão monocrática, Dipp extinguiu representação do Ministério Público Eleitoral contra Kennedy de Souza Trindade, acusado de doação acima do limite legal em campanha eleitoral. Para o ministro, a prova obtida pelo MPE é ilícita já que colhida por meio de quebra do sigilo fiscal sem autorização judicial.
O Tribunal Regional Eleitoral de Goiás entendeu que o denunciado havia violado a Lei das Eleições. No artigo 23, é vedada a doação de valor superior a 10% dos rendimentos brutos do doador no ano anterior à eleição.
O MPE alegou que a jurisprudência mais atualizada tem reconhecido a legitimidade do Ministério Público para requisição de documentos e informações diretamente à Receita Federal, sem prévia anuência judicial. Já Kennedy Trindade argumentou que seria ilícita a quebra do sigilo fiscal por ordem do Ministério Público sem autorização prévia do Poder Judiciário. Com informações da Assessoria de Imprensa do TSE.
Leia a decisão
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Kennedy de Souza Trindade de decisão que inadmitiu recurso especial fundado no artigo 121, § 4º, I e II, da Constituição Federal e no artigo 276, I, a e b, do Código Eleitoral. O acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás está assim ementado, verbis (fl. 145):
REPRESENTAÇÃO ELEITORAL BASEADA EM DIRPF ORIGINAL. DOAÇÃO POR PESSOA FÍSICA ACIMA DO LIMITE LEGAL. INIDONEIDADE DA DIRPF RETIFICADORA. PRELIMINARES AFASTADAS.
1) Rejeição das preliminares de ilicitude da prova (informações fiscais requisitadas pelo MPE), na forma da legislação de regência (CF/88, art. 5º, LVI e art. 129, VI; LC 75, art. 8º, II; Resolução TSE 22.250/2006, art. 14, § 4º, CPC, art. 332).
2) Configuração da infração do art. 23, § 1º, I da Lei 9.504/97 e ausência de causa de exclusão da responsabilidade.
3) Reconhecimento dos efeitos probatórios da DIRPF original.
4) Afastamento, no âmbito do Direito Eleitoral, dos efeitos da DIRPF retificadora, apresentada pelo doador pessoa física à administração tributária após a doação, a apresentação da representação e a notificação judicial para a respectiva defesa, desacompanhada de prova documental dos atos jurídicos que, alegadamente, respaldariam a retificação.
5) Cominação no mínimo legal da pena pecuniária do § 3º do art. 23 da Lei 9.504/97, diante da ausência de circunstâncias legais e judiciais de majoração.
A decisão agravada fundamenta-se na ausência de condições de admissibilidade do recurso especial. A uma, porque não haveria falar em nulidade do feito por ilicitude da prova carreada aos autos pelo Ministério Público Eleitoral sem autorização judicial, visto que o suposto vício não teria sido arguido durante a fase instrutória, assim como não constitui prova única utilizada pelo Regional. A duas, uma vez que a análise da ocorrência de violação ao princípio da boa-fé objetiva demandaria o reexame de prova, inviável nesta instância especial.
O agravante alega violação aos artigos 5º, X e LVI, e 129, VIII, da Constituição Federal; artigo 8º, II, da Lei Complementar nº 73/93; artigo 198, § 1º, II, da Lei nº 5.172/66 (CTN); artigo 14, § 4º, da Res.-TSE nº 22.250/2006; e artigo 332 da Lei nº 5.869/73 (CPC), sob o argumento de que seria ilícita a quebra do sigilo fiscal por ordem do Ministério Público sem autorização prévia do Poder Judiciário, gerando nulidade de todas as provas colhidas no feito, em observância à Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada; aos artigos 113, 167 e 168, parágrafo único, do Código Civil e ao artigo 333, I, do Código de Processo Civil, já que o acórdão regional, ao analisar a retificadora da sua Declaração de Imposto de Renda, teria presumido, sem provas suficientes, a prática de um negócio jurídico simulado.
Aponta precedentes desta Corte e de Tribunais Regionais Eleitorais para respaldar sua argumentação.
Nas contrarrazões (fls. 178-193), o recorrido assevera que a doutrina mais moderna e a jurisprudência mais atualizada têm reconhecido a legitimidade do Ministério Público para requisição de documentos e informações diretamente à Receita Federal, sem prévia anuência judicial e que não foi realizado o devido cotejo jurisprudencial com os precedentes citados no recurso.
A Procuradoria-Geral Eleitoral pronuncia-se pelo não conhecimento do agravo ou, caso não seja esse o entendimento, seu desprovimento (fls. 198-204) e ainda desprovimento do recurso, caso este venha a ser apreciado.
Decido.
Tendo em vista as razões do agravo, dou-lhe provimento e passo de imediato à análise do recurso especial, porquanto devidamente contra-arrazoado (artigo 36, § 4º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral).
Assiste razão ao recorrente.
De fato, é considerada prova ilícita aquela colhida mediante quebra do sigilo fiscal sem a autorização judicial respectiva.
Destaco da pacífica jurisprudência desta Corte quanto ao tema, dentre outros, precedente da relatoria do eminente Ministro MARCELO RIBEIRO (AgR-REspe nº 7875839-60/DF), julgado na sessão de 3.2.2011:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO DE RECURSOS DE CAMPANHA. QUEBRA DE SIGILO FISCAL. CONVÊNIO FIRMADO ENTRE O TSE E A SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. PRESERVAÇÃO DO DIREITO À PRIVACIDADE. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA Nº 182/STJ. DESPROVIMENTO.
1. Constitui prova ilícita aquela colhida mediante a quebra do sigilo fiscal do doador, sem autorização judicial. Precedente: AgR-REspe nº 82.404/RJ, rel. Min. Arnaldo Versiani, Sessão de 4.11.2010.
2. Ao Ministério Público ressalva-se a possibilidade de requisitar à Secretaria da Receita Federal apenas a confirmação de que as doações feitas pela pessoa física ou jurídica à campanha eleitoral obedecem ou não aos limites estabelecidos na lei.
3. Havendo a informação de que o montante doado ultrapassou o limite legalmente permitido, poderá o Parquet ajuizar a representação prevista no art. 96 da Lei n° 9.504/97, por descumprimento aos arts. 23 e 81 da mesma lei, e pedir ao juiz eleitoral que requisite à Receita Federal os dados relativos aos rendimentos do doador.
4. Mesmo com supedâneo na Portaria Conjunta SRF/TSE nº 74/2006, o direito à privacidade, nele se incluindo os sigilos fiscal e bancário, previsto no art. 5º, X, da Constituição Federal, deve ser preservado, mediante a observância do procedimento acima descrito.
5. Agravo regimental desprovido. (grifo nosso)
Pelo exposto, com fundamento no artigo 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, dou provimento ao recurso especial para extinguir a representação.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília, 14 de fevereiro de 2012.
MINISTRO GILSON DIPP
RELATOR