segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

STF - Repercussão Geral acerca da citação por hora certa no Processo Penal


Notícias STF
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Sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Recurso discute a constitucionalidade da citação por hora certa prevista no CPP
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por meio de votação no Plenário Virtual, a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 635145, em que se discute a constitucionalidade ou não da citação por hora certa prevista no Código de Processo Penal (CPP). Assim, a questão será levada ao Plenário do STF para julgamento e a decisão tomada será aplicada a todos os demais processos sobre a matéria em trâmite nos tribunais brasileiros.
O recurso contesta a aplicabilidade do artigo 362* do CPP, à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV) e do artigo 8º, item 2, alínea ‘b’, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. O recorrente sustenta “a existência de cerceamento à própria defesa ante a continuidade do feito”, uma vez que “o acusado tem o direito de ser pessoalmente informado da acusação que lhe é imputada para, assim, poder exercer plenamente sua defesa”.
Recurso
O recurso foi interposto contra decisão da Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul que afastou a alegação de inconstitucionalidade do artigo 362 do CPP, assentando que a citação por hora certa, em processo penal “não configura violação dos princípios do contraditório e ampla defesa” e destacou que “apesar de ser considerado modalidade de citação ficta, tal procedimento possibilitou, no caso [dos autos], que o réu tivesse ciência da acusação, ‘tanto que apresentou defesa prévia, memoriais e, inclusive, recorreu da sentença condenatória’.”
Na avaliação daquele colegiado, “reconhecer a inconstitucionalidade acabaria por beneficiar o acusado por circunstância que tumultua o processo causada por ele mesmo. O que resta vedado pelo ordenamento já que a ninguém se alcançará benefício em razão de sua própria torpeza”.
Relator
Na avaliação do ministro Marco Aurélio, relator do recurso extraordinário, “o tema relativo à alegação de inconstitucionalidade do artigo 362 do Código de Processo Penal está a merecer o crivo do Colegiado Maior”.
Dessa forma, o ministro considerou que “o tema envolve o devido processo legal sob o ângulo da liberdade de ir e vir do cidadão. A controvérsia sobre a higidez da citação por hora certa é passível de repetir-se em inúmeros casos, estando a exigir a palavra final do Supremo”.
Assim, o ministro Marco Aurélio manifestou-se pelo reconhecimento da repercussão geral na matéria, em decisão unânime no Plenário Virtual.
AR/AD
* Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. 
Parágrafo único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.


Processos relacionados
RE 635145

Quinta Turma veta uso de gravações ilegais como prova em processo contra advogado - STJ

Fonte: Notícias do STJ 17/12/2012

17/12/2012 - 09h01

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus a um advogado para declarar a nulidade das escutas telefônicas apresentadas como prova contra ele, no curso de uma investigação. O colegiado determinou, ainda, que essa prova fosse retirada dos autos. A decisão foi unânime.
 DECISÃO
Quinta Turma veta uso de gravações ilegais como prova em processo contra advogado

O advogado foi contratado por uma mãe para acompanhar inquérito policial instaurado depois que ela relatou abusos sexuais que teriam sido cometidos contra sua filha. O investigado era o próprio pai da criança.

No curso da investigação, quando o advogado mantinha contato com sua cliente, as ligações telefônicas foram interceptadas pelo então investigado, que apresentou o conteúdo das gravações à delegacia de polícia.

Disso resultou a instauração de inquérito policial e ajuizamento de ação penal contra o advogado, que teria exigido da cliente determinada quantia a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público.

Interceptação ilegal

A defesa do advogado sustentou que ele era alvo de constrangimento ilegal, pois a ação penal estaria baseada em prova ilícita. Segundo ela, a interceptação telefônica não teve autorização judicial, o que afastaria a legitimidade para compor o conjunto probatório utilizado para embasar a ação penal.

Alegou, ainda, que a ratificação posterior da cliente sobre o conteúdo das gravações não serviria para legitimar a prova apontada como ilícita, tal como decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, pois essa confirmação teria sido feita sob forte coação, dado o medo que ela sentiria de seu então marido.

Autorização necessária

Segundo o relator do habeas corpus, ministro Jorge Mussi, embora as gravações tenham sido obtidas pelo esposo da cliente do advogado com a intenção de provar a sua própria inocência, é certo que não obteve a indispensável autorização judicial, razão pela qual se tem como configurada a interceptação de comunicação telefônica ilegal.

“Não se pode admitir que nenhum tipo de interceptação telefônica seja validamente inserida como prova em ação penal sem a prévia autorização judicial, oportunidade na qual o magistrado realiza o controle de legalidade e necessidade da medida invasiva, em respeito à garantia constitucional que, frise-se, apenas em hipóteses excepcionais pode ser afastada”, destacou o ministro. 

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Coordenadoria de Editoria e Imprensa 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Investigações arbitrárias


 
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1194902-tendenciasdebates-investigacoes-arbitrarias.shtml
03/12/2012 - 03h30

Tendências/Debates: Investigações arbitrárias

LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY

A Constituição brasileira, em seu artigo 129, consigna, expressamente, quais as funções institucionais do Ministério Público.
Dentre elas, são elencadas a promoção da ação penal de iniciativa pública (inciso I), a requisições de documentos e informações em procedimentos administrativos (VI) e a requisição de diligências investigatórias e de inquéritos policiais (VII).
A Constituição, tal como se expôs, versou especificamente sobre a possibilidade de instauração de inquéritos policiais. Consignou que o órgão ministerial poderia apenas requisitá-los, não presidi-los.
A razão pela qual o Ministério Público não pode conduzir investigações criminais é deveras singela.
Não se trata da falta de poderes constitucionais para fazê-lo nem de uma questão corporativa qualquer.
Falta à investigação conduzida pelo Ministério Público um marco normativo, ditado por lei ordinária. Afinal de contas, em matéria de direito público, os órgãos do Estado são regidos pelo princípio da legalidade estrita, fato que os fiscais da execução da lei deveriam bem conhecer.
Quando promotores de Justiça e procuradores (estaduais e federais) agem como se fossem policiais, geralmente o fazem de forma autoritária e arbitrária. Ressalta-se, ainda, o fato, não raro, de o Ministério Público selecionar a dedo os casos e investigações em que pretende atuar, violando, entre outros, o princípio do promotor natural. Em regra, esses casos são os que merecem os holofotes da mídia.
Vale, para enriquecer o debate, lembrar o julgamento do recurso extraordinário 233.072-4/RJ, em maio de 1999, pela segunda turma do STF. Por maioria, ela decidiu que o Ministério Público é parte ilegítima para realizar investigações preliminares criminais.
Em seu voto, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou:
"Aqueles que têm poder --já se disse, isso é vala comum-- tendem a exorbitar no exercício desse poder. É preciso que se coloque um freio nessa tentativa.
Vejo esse processo revelador de uma precipitação do Ministério Público, que, em vez de provocar a abertura do inquérito policial, como lhe cabia fazer, já que o passo seguinte não seria a propositura de uma ação civil pública, mas de uma ação penal, resolveu ele próprio --não sei se teria desconfiado da polícia-- promover as diligências para a coleta de peças, objetivando respaldar a oferta, a propositura da ação penal e a oferta, portanto, da própria denúncia."
Dentre os vários argumentos apresentados por aqueles que defendem o poder de investigação do Ministério Público, um é que se um só órgão investiga --no caso, a polícia--, poucos serão os casos a serem efetivamente apurados e julgados em razoável espaço de tempo.
Ora, ao prevalecer esta tese, não demorará muito o Ministério Público reclamará o direito de julgar, hoje exclusivo do Poder Judiciário.
Se investigações são mal feitas --e "malsucedidas", no dizer de muitos--, é necessário pugnar-se pelo aprimoramento daqueles que exercem a função investigatória, no caso a polícia judiciária, e não simplesmente atribuir a outro órgão ou Poder essa função.
LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY, 48, é advogado criminalista e professor de direito penal da PUC-Minas

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

PEC 37/11, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES


PEC 37/11, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Fonte:  http://www.bernardosantana.com.br/artigos/

A PEC 37/11 obteve 208 assinaturas de Parlamentares para ser proposta, superando em mais de 30 às necessárias. Na sua admissibilidade pela CCJC, obteve 32 votos a 8. Na Comissão Especial, o substitutivo foi aprovado, com exceção do art. 2º, em razão de destaque apresentado pelo Dep. Ronaldo Fonseca – que subscrevi - tornando-me assim coautor do destaque, cuja votação foi 13 a 3.
O texto segue para votação nos Plenários da Câmara e do Senado, onde poderá sofrer alterações, tendo que receber 3/5 dos votos favoráveis para aprovação final.
O tema não é novo nem pacificado. A discussão existe no mundo jurídico -  há inúmeras ações sobre a legitimidade do MP em conduzir investigação penal. A matéria é polêmica e segue indefinida. Entendo ser papel do Legislativo definir a questão.
Defendo a PEC por razões jurídicas.
            A reflexão acerca da atribuição constitucional da competência para realizar Investigação Criminal passa, inicialmente, pela compreensão do que seja investigação criminal e da função da Polícia Judiciária.
A Investigação criminal tem por finalidade apurar tudo acerca do eventual delito, desde sua materialidade, autoria, motivação, circunstâncias em que ocorreu, modo e meio de execução até a vida pregressa dos supostos envolvidos e vítima.
            Neste sentido, a nossa Constituição Federal sistematizou a investigação criminal atribuindo-a às Polícias Judiciárias Civil (julgamento pelo Juízo Estadual) e Federal (Juízo Federal).
            E por que assim o fez o Constituinte? Porque a investigação criminal deve ser imparcial e isenta de qualquer vinculação às pretensões inerentes aos órgãos de acusação (condenação) ou defesa (absolvição), cabendo-lhe, única e exclusivamente, colher o maior número de elementos possíveis e de qualidade satisfatória que possibilitem ao titular da ação penal (Ministério Público - MP) formar um juízo jurídico sobre o delito, o qual será submetido à discussão e apreciação da Justiça por meio do devido processo legal.
            Assim, pretender que o órgão de acusação na ação penal, neste caso o MP, seja o responsável pela investigação criminal distorce e desvirtua a finalidade da mesma, pois é impossível conceber que tal órgão seja isento e imparcial e não conduza o processo investigativo de modo buscar elementos que possam embasar suas teses acusatórias, visando possível condenação.  Seria o mesmo que pretender que o órgão de defesa o fizesse. É o interessado investigando.
            E mais, esse tipo de investigação, realizada sem previsão constitucional e em notória usurpação às funções das Polícias Civil e Federal, elimina a possibilidade de qualquer controle externo ou de responsabilização do Ministério Público pelos atos praticados, ante a inexistência de regulamentação acerca desse exercício investigativo por esse órgão acusativo.
            E mais, pleiteia o MP não o poder-DEVER de investigar todo e qualquer delito, mas apenas o poder-FACULTATIVO de o fazer, quando, como e contra quem julgar conveniente, sem limites.       
            Quanto ao argumento expendido pelo MP de que a investigação criminal pelo Polícia Judiciária denota-se ineficiente, cumpre lembrar sua parcela de responsabilidade nessa ineficiência, uma vez que lhe incumbe o controle externo da atividade policial, exercida por um aparato policial que difere e muito, em termos salariais, humano e operacional, daquele dotado pelo Ministério Público.
            Assim o texto da PEC 37/2011 aprovado pela Comissão Especial, simplesmente explicita e consolida a competência investigativa expressa na Constituição Federal, de modo a garantir ao cidadão comum a necessária segurança jurídica de ser submetido a um processo investigativo isento e imparcial, sem lhe ser cerceado, em sua origem, o direito do contraditório e da ampla defesa.
            Quanto ao exercício das competências próprias, entre as quais, os das Polícias Legislativas, das Comissões Parlamentares de Inquérito e dos Tribunais e Ministério Público em relação a seus membros, as mesmas são mantidas no art. 1º do Substitutivo aprovado na Comissão.
            Depois da aprovação da matéria pela Comissão, foram várias as matérias veiculadas com a manchete “Promotores e Procuradores atacam Deputado Mineiro”. Caracterizando a PEC como uma “retaliação indisfarçável”, em virtude de um processo que me move o MP Estadual (antes de eleger-me deputado), com instrução processual finda e julgamento em breve. Todavia sempre o assunto é tratado como se fosse uma condenação e eu culpado, mesmo ainda não julgado. Mas a estes procedimentos a PEC não altera, já que a comissão especial manteve dispositivo sugerido pelo relator que determina que, na eventualidade de aprovação da mesma, estas investigações não retroagem.
            Não vou entrar no detalhe de que nos autos existem gravações periciadas de propostas não republicanas por parte de alguns promotores para arquivamento do feito. Pois esta ação serve aos que me atacam e não para a formação do meu convencimento sobre o tema.
            Pelo andamento citado acima, é claro que a discussão se dá mediante a opinião de centenas de parlamentares, que, ao legislar, buscam encontrar soluções para temas indefinidos. Será que o MP quer legislar também? Atacar um interlocutor é mais fácil do que combater ideias.

Bernardo Santana de Vasconcellos
Deputado Federal – PR/MG

sábado, 24 de novembro de 2012

ADPF e Adepol divulgam as 10 mentiras sobre a PEC 37

Divulgando

Q UI N T A - F EI R A,  2 2  D E N O V EM B R O  D E 2 0 12

ADPF e Adepol divulgam as 10 mentiras sobre a PEC 37

Através da rede de microblog tuíte, a Associação dos Delegados da Polícia Federal e a Associação dos Delegados de Polícia (Adepol), enviaram ao Fator RRH uma relação contendo, segundo eles, as 10 mentiras que foram ou estão sendo divulgadas a respeito da PEC 37.
Esta PEC reduz o poder de investigação do Ministério Público e mostra um confronto entre as Polícias Federal e Civil e o MP.
Leiam o que diz a PF e a Adepol sobre a PEC 37:
As 10 Mentiras sobre a PEC 37
1) Retira o poder de investigação do Ministério Público. MENTIRA. Não se pode retirar aquilo que não se tem. Não há no ordenamento constitucional pátrio nenhuma norma expressa ou implícita que permita ao Ministério Público realizar investigação criminal. Pelo contrário, a Constituição impede a atuação do MP ao dizer que a investigação criminal é exclusiva da Polícia Judiciária.
2) Reduz o número de órgãos para fiscalizar. MENTIRA. Muito pelo contrário. Quando o Ministério Público tenta realizar investigações criminais por conta própria ele deixa de cumprir com uma de suas principais funções constitucionais: o de fiscal da lei. Além disso, não dão atenção devida aos processos em andamento, os quais ficam esquecidos nos armários dos Tribunais por causa da inércia do MP. Os criminosos agradecem.
3) Exclui atribuições do Ministério Público reconhecidas pela Constituição, enfraquecendo o combate à criminalidade e à corrupção. MENTIRA. A Constituição Federal foi taxativa ao elencar as funções e competências do Ministério Público. Fazer investigação criminal não é uma delas. Quando o Ministério Público, agindo à margem da lei, se aventura numa investigação criminal autônoma, quem agradece é a criminalidade organizada, pois estas investigações serão anuladas pela justiça.
4) Vai contra as decisões dos Tribunais Superiores, que já garantem a possibilidade de investigação pelo Ministério Público. MENTIRA. A matéria está sendo examinada no Supremo Tribunal Federal. Em vez de tentar ganhar poder “no grito”, o MP deveria buscar o caminho legal que é a aprovação de uma Emenda Constitucional.
5) Gera insegurança jurídica e desorganiza o sistema de investigação criminal. MENTIRA. O que gera insegurança jurídica é o órgão responsável por ser o fiscal da lei, querer agir à margem da lei, invadindo a competência das Polícias Judiciárias. A investigação criminal pela Polícia Judiciária tem regras definidas por lei, além de ser controlada pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Por ser ilegal e inconstitucional, na investigação criminal pelo Ministério Público não há regras, não existe controle, não há prazos, não há acesso à defesa e a atuação é arbitrária.
6) Impede o trabalho cooperativo e integrado dos órgãos de investigação. MENTIRA. Cooperação e integração não é sinônimo de invasão de competência. Quando cada um atua dentro dos seus limites legais, a Polícia Judiciária e o Ministério Público trabalham de forma integrada e cooperada. Entretanto, a Polícia Judiciária não está subordinada ao Ministério Público. O trabalho da Polícia Judiciária é isento e imparcial e está a serviço da elucidação dos fatos. Para evitar injustiças, a produção de provas não pode estar vinculada nem à defesa, nem a acusação.
7) Polícias Civis e Federal não têm capacidade operacional para levar adiante todas as investigações. MENTIRA. O Ministério Público não está interessado em todas as investigações, mas só os casos de potencial midiático. É uma falácia dizer que o Ministério Público vai desafogar o trabalho das polícias.
8) Não tem apoio unânime de todos os setores da polícia. FALÁCIA. Quem estiver contra a PEC da Cidadania deveria ter a coragem de revelar seus reais interesses corporativos, os quais estão longe do ideal republicano. Não é possível conceber uma democracia com o Ministério Público reivindicando poderes supremos de investigar e acusar ao mesmo tempo.
9) Vai na contramão de tratados internacionais assinados pelo Brasil. MENTIRA. Os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, entre eles a Convenção de Palermo (contra o crime organizado), a Convenção de Mérida (corrupção) e a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional determinam tanto a participação do Ministério Público quanto da Polícia Judiciária. Entretanto a participação de cada um, assim como das demais autoridades, está regulada no ordenamento jurídico pátrio que não contempla a investigação criminal autônoma produzida diretamente pelos membros do Ministério Público.
10) Define modelo oposto ao adotado por países desenvolvidos. MENTIRA. O Brasil, junto com os demais países da América Latina, comprometeu-se com o sistema acusatório, onde a Polícia Judiciária investiga e o Ministério Público oferece a denúncia. Os países europeus que atualmente adotam o sistema misto, com juizado de instrução, estão migrando para o mesmo sistema adotado pelo Brasil.
A ADPF e a ADEPOL são a favor da PEC 37.
Compartilhe e ajude a desmascarar as mentiras que prejudicam o combate à corrupção.
ADPF e a ADEPOL

PEC 37 - PEC da Legalidade

Íntegra da nota conjunta divulgada em 23/11/2012.

Brasília, 23 de novembro de 2012.
PEC DA LEGALIDADE
PEC 37 de 2010
N O T A C O N J U N T A
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL-BR e a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal - ADPF, servem-se da presente para externar posição perante a sociedade, acerca da Proposta de Emenda Constitucional nº 37 de 2010, aprovada pela respectiva Comissão Especial na Câmara dos Deputados.
Membros do Ministério Público têm manifestado insatisfação sobre a referida Proposta Legislativa, chamando-a, levianamente, de PEC da Impunidade. Na realidade, os argumentos por eles utilizados é que têm nos deixado perplexos. Senão vejamos:
1. Diferente do afirmado pelos promotores e procuradores, no texto aprovado não existe nenhum comando que altere ou suprima qualquer das atribuições constitucionais do Ministério Público, todas definidas no art. 129 da CF, dentre elas:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
...............................
VII -
exercer o controle externo da atividade policial
, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII -
requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
.............................
2. O Ministério Público, mesmo com a aprovação do Substitutivo em comento, manterá suas prerrogativas de participar ativamente da investigação criminal realizada pela Polícia Judiciária, por meio de requisições de instauração de inquérito policial e de diligências investigatórias.
3. Caso aprovada a citada PEC, em nada será afetado o salutar controle externo da atividade policial, exercido pelo Ministério Público. Destarte, não se pode falar em PEC da impunidade, se ao Ministério Público compete fiscalizar o trabalho policial, complementá-lo por meio de requisição e prevenir eventuais omissões.
4. As investigações pelo
Parquet já realizadas, sem amparo legal (qual é a lei que regulamenta a realização, limites e controle de investigação criminal pelo MP?), ficam totalmente ressalvadas pela modulação dos efeitos inserta no art. 3º do Substitutivo aprovado, in verbis:
"Art. 3º
O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é acrescido do art. 98, com a seguinte redação:
Art. 98.
Ficam ressalvados os procedimentos investigativos criminais realizados pelo Ministério Público até a data de publicação da Emenda Constitucional
que acrescentou o § 10 ao art. 144 e os §§ 6º e 7º ao art. 129 da Constituição Federal."
5. O Substitutivo aprovado, em seu art. 1º, reitera o poder investigatório das polícias legislativas, das Comissões Parlamentares de Inquérito, bem como dos Tribunais e do próprio Ministério Público em relação aos seus membros, conforme previsto nas respectivas leis orgânicas.
6. As apurações de infrações administrativas, realizadas por todos órgãos públicos (Agências, Ministérios, Secretarias, Empresas Públicas, Autarquias, etc.), evidentemente não são atingidas pela PEC 37, visto que se prestam à apuração de infrações administrativas, cujo resultado pode, até mesmo, servir de base para a propositura de ação penal pelo Ministério Público.
7. É a Polícia Judiciária do Brasil que tem sido vítima de usurpação de suas funções constitucionais desde 1988, quando teve início uma necessidade insaciável de monopólio de poder por parte do Ministério Público e de seus membros que não encontra limite nem semelhança em qualquer outro sistema judicial do mundo.
Por outro lado, em nenhum momento, foram trazidas reflexões sobre as seguintes indagações, diante do Estado Democrático de Direito garantido pela Constituição Federal:
1. Admite-se que um servidor público conduza qualquer processo ou procedimento, ou sequer pratique ato que afete de uma forma ou de outra o cidadão, sem a devida previsão legal?
2. É possível que se entregue a um ser humano (portanto falível), no caso o promotor ou procurador, a prerrogativa de investigar quando quiser, quem quiser, da forma que melhor lhe servir, pelo prazo que achar adequado, sem qualquer tipo de controle externo, com ausência absoluta de tramitação por outro organismo, sem nenhum acesso pelo investigado e, ao final, ele próprio decidir se arquiva ou não aquele mesmo procedimento inquisitorial?
3. Será que a investigação do promotor ou procurador, livre de qualquer regramento, freio ou controle externo, não poderia permitir o terrível exercício do casuísmo, ou seja, atuar conforme a sua contemporânea vontade pessoal e não em face de regramento legal previamente estabelecido?
4. Será que o promotor ou procurador, parte acusadora e interessada no resultado do processo penal, teria a suficiente isenção e
imparcialidade para trazer para a sua investigação todos os elementos que interessam à verdade dos fatos, mesmo que favoreçam a defesa do cidadão?
5. Quantos cidadãos ignoram que são investigados pelo Ministério Público inclusive com interceptações telefônicas, neste momento no país, sem qualquer controle e devido processo legal?
Sendo assim, pugnamos que as discussões acerca desse importante tema sejam feitas sempre dentro do plano da reflexão sobre a verdade, sem desinformação e sensacionalismo exacerbado.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Comissão aprova projeto que exclui poder de investigar do Ministério Público


FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO ON LINE 
 
21/11/2012 - 20h35

Comissão aprova projeto que exclui poder de investigar do Ministério Público


ERICH DECAT
DE BRASÍLIA
Integrantes de Comissão Especial da Câmara aprovaram nesta quarta-feira (21) proposta que altera a Constituição e exclui o poder de investigação do Ministério Público.
O colegiado é composto por sua maioria de deputados ligados a setores da polícia. A proposta segue para votação no plenário da Câmara, ainda sem uma data definida.
O relator da proposta, deputado Fábio Trad (PMDB-MS), chegou a apresentar um texto em que mantinha o poder do Ministério Público para atuar em crimes contra a administração pública, praticados por políticos e/ou agentes públicos. O MP também poderia atuar nas investigações contra organizações criminosas.
Emenda apresentada pelo deputado Bernardo de Vasconcellos Moreira (PR-MG), aprovada pela maioria, eliminou essas atribuições do MP e atribuiu exclusivamente às polícias Federal e Civil a competência para a investigação criminal.
"O artigo colocado pelo Fabio Trad contrariava o espírito da PEC. Não pode haver concentração de poder. O poder de investigar e o de denunciar que tem o Ministério Público é algo equivocado", disse Moreira à Folha.
Trad lamentou a aprovação da emenda. "Agora nem subsidiariamente, nem de forma residual ou complementar, o MP poderá atuar nas investigações, o que é lamentável", disse.
Presente na sessão, o presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), Alexandre Camanho de Assis, criticou a votação da matéria. "Há competição da polícia em termos de conseguir prerrogativas de MP e de Judiciário. Duvido muito que um projeto dessa índole frutifique em cenários mais democráticos", disse.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Gravação e violação ao Direito ao Silêncio - STJ


DIREITO PROCESSUAL PENAL. ILICITUDE DE PROVA. GRAVAÇÃO SEM O CONHECIMENTO DO ACUSADO. VIOLAÇÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO.
É ilícita a gravação de conversa informal entre os policiais e o conduzido ocorrida quando da lavratura do auto de prisão em flagrante, se não houver prévia comunicação do direito de permanecer em silêncio. O direito de o indiciado permanecer em silêncio, na fase policial, não pode ser relativizado em função do dever-poder do Estado de exercer a investigação criminal. Ainda que formalmente seja consignado, no auto de prisão em flagrante, que o indiciado exerceu o direito de permanecer calado, evidencia ofensa ao direito constitucionalmente assegurado (art. 5º, LXIII) se não lhe foi avisada previamente, por ocasião de diálogo gravado com os policiais, a existência desse direito. HC 244.977-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 25/9/2012.

Prescrição e maus antecedentes - Impossibilidade - STJ


DIREITO PROCESSUAL PENAL. ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXCLUSÃO DA INFORMAÇÃO EM CASO DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
É indevida a manutenção na folha de antecedentes criminais de dados referentes a processos nos quais foi reconhecida a extinção da pretensão punitiva estatal. Não há por que serem mantidos os registros do investigado ou processado no banco de dados do instituto de identificação nos casos de arquivamento do inquérito policial, absolvição, reabilitação ou extinção da punibilidade pelo advento da prescrição, porquanto as referidas informações passam a ser de interesse meramente eventual do juízo criminal. A manutenção dos dados na folha de antecedentes criminais nessas circunstâncias constitui ofensa ao direito à preservação da intimidade de quem foi investigado ou processado. Assim, os dados deverão ficar apenas registrados no âmbito do Poder Judiciário e disponibilizados para consultas justificadas de juízes criminais. Precedentes citados: RMS 32.886-SP, DJe 1º/12/2011; RMS 35.945-SP, DJe 3/4/2012; RMS 25.096-SP, DJe 7/4/2008; Pet 5.948-SP, DJe 7/4/2008. RMS 29.273-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 20/9/2012.

Fixação de regime prisional - STJ


DIREITO PENAL. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA. IMPOSSIBILIDADE.
Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito. Somente se consideradas as circunstâncias judiciais de forma desfavoráveis, com fundamentos idôneos, poderia ser mantido regime prisional mais gravoso. Ademais, a opinião do julgador sobre a gravidade abstrata do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada (Súm. n. 718-STF). Assim, não se pode determinar regime mais rigoroso quando inidônea a fundamentação, baseada tão somente na gravidade abstrata da conduta cometida e na opinião pessoal dos julgadores. Precedentes citados do STF: HC 72.315-MG, DJ 26/5/1995; do STJ: HC 94.823-SP, DJ 23/6/2008; RHC 29.446-MG, DJe 6/4/2011, e HC 177.679-SP, DJe 13/12/2010. HC 218.617-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 2/10/2012.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Limites constitucionais à formação da prova no crime do art. 306 do código de trânsito brasileiro


Limites constitucionais à formação da prova no crime do art. 306 do código de trânsito brasileiro

André Myssior e Bruno César Gonçalves da Silva

1. Introdução
Em 28.03.2012, a Terceira Seção do STJ concluiu o julgamento do REsp 1.111.566 tendo, por apertada maioria, decidido que, para fins de comprovação da ocorrência do crime previsto no art. 306 do CTB, com a redação dada pela Lei 11.705/2008 (Lei Seca), apenas a prova técnica é admissível.
Essa decisão fez recrudescer o debate sobre a segurança no trânsito, sendo referida decisão, com frequência, noticiada nos meios de comunicação com manchetes do tipo “STJ ‘esvazia’ Lei Seca” ou dizeres semelhantes.
De certa forma, a discussão em torno da referida decisão do STJ pôs em campos distintos e antagônicos, de um lado, a tutela da segurança pública e, de outro, a tutela dos direitos e garantias individuais asseguradas pela Constituição. Obviamente e, a despeito do que pode parecer, não são coisas mutuamente excludentes. Pelo contrário. Apenas a efetivação dos direitos e garantias fundamentais assegura uma sociedade justa, igualitária e segura.
De fato, há uma clara tendência no Direito Penal brasileiro de ampliação da tutela penal de bens jurídicos, sobretudo mediante a criação de novos tipos penais de perigo abstrato e com elementos normativos em profusão. Tudo isso na vã suposição de que a extensão da tutela penal a praticamente todos os campos da vida em sociedade é instrumento, por si só, apto a solucionar problemas sociais e trazer pacificação.
É precisamente neste contexto que se situa a Lei 11.705, de 19.07.2008, que ficou conhecida como “Lei Seca”. Referido diploma legal inseriu diversas modificações na Lei 9.503/1997, que instituiu o CTB. No que pertine ao objeto deste estudo, modificou o tipo penal previsto no art. 306, que prevê o crime de condução de veículo automotor em via pública sob a influência de álcool ou drogas.
Neste estudo se abordará a antiga e a atual estrutura do tipo penal em apreço para, a partir daí, explorar as implicações processuais, notadamente no campo do direito probatório.
2. A estrutura do tipo penal do art. 306 do CTB – Antes e após a “Lei Seca”
A redação original do art. 306 do CTB tinha o seguinte teor: “conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”.
Tratava-se, evidentemente, de um crime de perigo concreto. Para que houvesse tipicidade era necessária não só a prova da ingestão de álcool ou de substância de efeitos análogos, mas a prova do efetivo perigo de dano à incolumidade ou ao patrimônio alheios.
Com a entrada em vigor da Lei 11.705/2008, o art. 306 do CTB passou a vigorar com a seguinte redação: “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.
O que era, então, crime de perigo concreto tornou-se crime de perigo abstrato. Desonera-se, pois, a acusação da prova do efetivo perigo de dano, bastando à configuração do tipo penal a constatação da alcoolemia. Entretanto, não basta à acusação provar a ingestão de álcool para que se presuma o perigo; o tipo penal exige uma quantidade específica de dosagem alcoólica no sangue do condutor.
Se o que o legislador pretendeu com a transformação de um crime de perigo concreto em crime de perigo abstrato foi tornar mais fácil a punição do condutor que dirige após consumir álcool, o efeito foi inverso. Pelo menos se os ditames constitucionais e legais pertinentes à prova forem devidamente observados.
Isso porque, a despeito da supressão do perigo concreto no tipo, um elemento que era, na redação anterior do art. 306 normativo, passou a ser objetivo-descritivo. Ou seja, a tipicidade não é atingida por um juízo valorativo do intérprete. É atingida apenas a partir da prova que demonstre exatamente a ocorrência fática dessa elementar. E, pela própria natureza do elemento objetivo-descritivo do tipo que a Lei 11.705/2008 colocou no lugar do elemento normativo, essa prova tornou-se sobremaneira difícil. É sobre esses limites à atividade probatória e seu impacto na caracterização do atual tipo penal do art. 306 do CTB que trataremos adiante.
3. A prova necessária para o juízo positivo de tipicidade do crime do art. 306 do CTB
Já que a atual redação do art. 306 do CTB tem como elementar objetivo-descritiva do tipo a exata dosagem alcoólica por litro de sangue a partir da qual é incriminada a condução de veículo automotor em via pública, é evidente que a única prova apta a exonerar a acusação de seu ônus probatório é a pericial.
Não se trata aqui de tarifar provas, mesmo porque o processo acusatório não condiz com esse sistema. Mas de exigir-se, para desincumbência do ônus probatório, uma prova adequada para formar-se a cognitio acerca da ocorrência de um fato determinado relevante para o processo.
Tampouco se olvida aqui do art. 182 do CPP que, consagrando os princípios da livre apreciação das provas e do livre convencimento motivado, dispõe que “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”, o que significa que o juiz pode formar sua convicção com base em outras provas.
Entretanto, para que se verifique a existência dessa elementar objetivo-descritiva no caso concreto, não será possível ao juiz concluir pela existência do crime sem que haja prova pericial. Nem o art. 167 do CPP pode dispensar a realização da perícia. Se o tipo exige, para sua configuração, a verificação de uma dosagem alcoólica exata, mesmo quando os vestígios tenham desparecido, a prova testemunhal neste caso específico, não poderá suprir-lhe a falta. A máxima contribuição que a testemunha poderá fornecer serão suas impressões acerca do modo como o imputado se apresentava. Poderá relatar sintomas de embriaguez, mas jamais será capaz de atestar que o imputado possuía, ao tempo da ação, dosagem alcoólica igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue.
O que ficaria, portanto, provado pela prova exclusivamente testemunhal seriam os sintomas. Estes sintomas, mesmo que conhecidos e provados, permitiriam induzir apenas e tão somente a embriaguez do condutor; mas não permitiriam induzir a dosagem alcoólica no sangue superior à permitida. Ou seja, a prova testemunhal sequer é apta a formar indício do preenchimento da elementar do tipo a que nos referimos. Serviria para provar a existência do crime de dirigir sob influência de álcool conforme a redação antiga do tipo; não para provar a existência do crime conforme sua estrutura típica atual.
Ademais, conquanto as disposições do CPP acerca da produção da prova pericial sejam, naturalmente, aplicáveis, a disciplina legal não pode se esgotar aí. Isso porque toda a lógica da disciplina legal da prova pericial tem em conta ocorpo de delito como sendo a vítima ou coisa que tenha relação com o fato. No caso do crime do art. 306 do CTB, há uma diferença essencial: o corpo de delito não é a vítima; é o próprio agente. E, sendo assim, além das disposições legais acerca da perícia, hão de ser observados os limites constitucionais e legais de obtenção de elementos de prova quando esses devem ser fornecidos pelo próprio imputado, isso é, quando a produção da prova depende de uma interferência do mesmo.
4. O nemo tenetur se detegere e a prova obtida pelo etilômetro e pela extração de sangue
O princípio do nemo tenetur se detegere é considerado garantia fundamental do cidadão e, mais especificamente, do imputado. Cuida-se do direito a não autoincriminação, que não se resume ao direito ao silêncio, sendo absolutamente impróprio tratar o direito ao silêncio como sinônimo do nemo tenetur se detegere.
O direito a não autoincriminação tem uma amplitude maior, da qual o direito ao silêncio é apenas um de seus aspectos, objetivando proteger o indivíduo contra excessos cometidos ao longo da persecução penal por quem quer que se lance na atividade probatória, incluindo-se nele o resguardo contra qualquer forma de atentado à liberdade de autodeterminação do imputado, a pretexto de se obter elementos de prova.
A análise do direito a não autoincriminação sempre vem à tona quando o meio de prova empregado, tal como o etilômetro e o exame de sangue, depende, para seu emprego, da cooperação do imputado, implicando um facere por parte deste.
Cuidando-se o direito a não autoincriminação de garantia fundamental implícita, deve-se fixar a disciplina desta nos mesmos termos em que a Constituição Federal fixou a disciplina do direito ao silêncio, por analogia, pois ambos decorrem da mesma noção fixada pelo princípio do nemo tenetur se detegere.
Descendo ao campo infraconstitucional, não restará dúvidas de que o princípionemo tenetur se detegere traz nítido limite à produção da prova no crime do art. 306 do CTB. E esse limite será encontrado, por analogia, na disciplina legal do interrogatório do imputado, na medida em que se trata de ato no qual há participação direta dele na formação da prova.
Na ideia original do CPP, o interrogatório do réu, isso é, sua intervenção pessoal e direta na formação da prova, era considerado unicamente um meio de prova e ato exclusivo do juiz.
A partir da vigência da CF de 1988, a visão da doutrina e da jurisprudência acerca da participação pessoal do réu no processo sofreu alteração profunda. De meio de prova, o interrogatório passou a ser visto como meio de defesa; de ato privativo do juiz passou a ser visto como faculdade do imputado.
Essa evolução chegou, finalmente, a ser positivada com a edição da Lei 10.729/2003, que alterou completamente a disciplina legal do interrogatório. A mais importante foi a determinação de que, não só o réu tem direito ao silêncio, como a de que seu silêncio não pode ser interpretado em desfavor de sua defesa. Mais, exige-se que o réu seja formalmente advertido pelo juiz não só acerca do direito ao silêncio, mas também acerca da inexistência de prejuízo na utilização da garantia.
Obviamente, a mesma lei estabelece que as disposições que traz sobre o interrogatório judicial do acusado aplicam-se, também, à sua oitiva no inquérito. Ou seja, a expressão do princípio da não autoincriminação que a Lei 10.792/2003 trouxe ao interrogatório judicial estendeu-se também à fase pré-processual.
Pode-se, então, afirmar que, ao ser ouvido no inquérito, o investigado tem que ser advertido de que tem o direito a permanecer em silêncio e que seu silêncio não será interpretado em prejuízo de sua defesa. Se não houver essa advertência, o interrogatório policial é nulo e, embora a nulidade no inquérito não contamine o processo, a prova obtida em sede inquisitorial com violação à Constituição é inadmissível no processo (CF, art. 5.º, LVI). As declarações que eventualmente preste terão sido, inexoravelmente, ilicitamente obtidas.
Mas se essa advertência é imposta não só pela lei, mas pelo princípio constitucional da não autoincriminação, ela é obrigatória não só na prova oral fornecida pelo investigado. É também obrigatória em qualquer contribuição corporal que o imputado forneça à persecução. Inclusive ao exame pericial.
Assim, se compete ao inquiridor, na polícia ou em Juízo, informar ao imputado sobre seu direito ao silêncio, deve também o agente incumbido da produção de qualquer prova informar o imputado sobre seu direito a não autoincriminar-se. Se não for dado ao imputado a ciência acerca de seu direito a não autoincriminação, as provas eventualmente obtidas no ato probatório, reputar-se-ão ilícitas.
Tal entendimento encontra precedente na jurisprudência do STF, que no julgamento do HC 80.949/RJ, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, fixou que:
“47. Elevando aí o nemo tenetur se detegere à alçada de garantia fundamental (...) na linha da construção da jurisprudência americana, a partir dos famosos casosEscobedo vs. Illinois (378 US 478 (1964) e Miranda vs. Arizona (384 US 436 (1969) –, impõe ao inquiridor, na polícia ou em juízo, o dever de advertência de seu privilégio contra a auto-incriminação.
48. A falta da advertência – e, como é óbvio, da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o acusado, ainda quando observadas as formalidades procedimentais do interrogatório”.
Assim, no que toca a realização do “teste do bafômetro” e do exame de sangue,compete ao agente incumbido da diligência o dever de informar ao imputado que o mesmo não está obrigado a colaborar na produção da prova que possa lhe incriminar.
Não cientificado o imputado de que ele tem o direito a não produzir prova contra si, ou seja, de que ele não está obrigado a soprar o etilômetro ou submeter-se à extração de sangue, tem-se como consequência a ilicitude da prova assim obtida, tal como ilícitas são as declarações que o imputado preste em seu desfavor, quando não lhe é previamente assegurado o direito ao silêncio.
O direito à prova não chega ao ponto de conferir ao órgão persecutor prerrogativas sobre o próprio corpo e a liberdade de escolha do imputado, pois se ninguém é obrigado a declarar-se culpado, certo é também que ninguém é obrigado a fornecer provas contra si mesmo.
Assim, não se garantindo ao imputado o direito de não produzir prova contra si mesmo e, pelo contrário, ainda admoestando-o, obrigando-o a fazer o “teste do bafômetro” ou o exame de sangue, com base no inconstitucional art. 277 da Lei 9.503/1997, tem-se que o resultado “concentração de álcool por litro de ar expelido dos pulmões” ou “concentração de álcool por litro de sangue”, terá sido ilicitamente obtido, em face da violação ao nemo tenetur se detegere, sendo inadmissível no processo.
5. Conclusão
O que se conclui é que, se observados os limites constitucionais à formação da prova, seria, na prática, próximo do impossível provar a existência do crime do art. 306 do CTB. Se o imputado for formal e expressamente cientificado do seu direito de se negar a se submeter ao teste do “bafômetro” e ao exame de sangue, é possível afirmar que quase ninguém aceitaria contribuir na produção da prova pericial.
Se essa constatação faz surgir temor de que, observados os princípios constitucionais que regem o processo penal, haverá aumento de insegurança nas ruas e estradas do Brasil, esse temor não se deve às garantias fundamentais. Deve-se à tendência contemporânea de criar mais e mais tipos penais de perigo abstrato e de tentar resolver todos os problemas da sociedade por meio do Direito Penal.
O crime de perigo concreto é, por definição, mais garantista do que o crime de perigo abstrato. E, conforme abordado, o revogado crime de perigo concreto do art. 306 do CTB mostrava-se muito mais apto a tutelar eficaz e constitucionalmente o bem jurídico incolumidade pública do que o atual crime de perigo abstrato.
Nota-se, então, que no julgamento do REsp 1.111.566 em 28.03.2012, a Terceira Seção do STJ fez, embora por apertada maioria, prevalecer a disciplina e as limitações à formação da prova previstas no plano constitucional.
André Myssior
Mestre em Ciências Penais pela UFMG.
Professor de Direito Penal e Processual Penal na Escola Superior Dom Helder Câmara em Belo Horizonte/MG.
Advogado.
Bruno César Gonçalves da Silva
Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-Minas.
Professor de Direito Processual Penal na Pós-graduação em Ciências Penais da Faculdade de Direito Milton Campos em Nova Lima/MG.
Advogado.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CPI – Limitações Jurídicas – Direitos e Garantias da Pessoa Investigada -Advogados – Prerrogativas Profissionais - STF


CPI – Limitações Jurídicas – Direitos e Garantias da Pessoa Investigada -Advogados – Prerrogativas Profissionais
 (Transcrições)

MS 30906 MC/DF*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. SUBMISSÃO INCONDICIONAL DA CPI À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DAS LEIS DA REPÚBLICA. EXIGÊNCIA INERENTE AO ESTADO DE DIREITO FUNDADO EM BASES DEMOCRÁTICAS. DIREITOS DAS PESSOAS (FÍSICAS E JURÍDICAS) E PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DO ADVOGADO. DIREITO DO ADVOGADO AO USO DA PALAVRA, MESMO NO ÂMBITO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. PRERROGATIVA DE PROTOCOLIZAR E DE VER APRECIADAS, PELA CPI, PETIÇÕES FORMULADAS EM NOME DA PESSOA OU DA ENTIDADE SOB INVESTIGAÇÃO. DIREITO DE ACESSO A DOCUMENTOS SOB CLÁUSULA DE SIGILO, DESDE QUE JÁ INCORPORADOS AOS AUTOS DO INQUÉRITO PARLAMENTAR. POSTULADO DA COMUNHÃO DA PROVA. DOUTRINA CONSAGRADA NA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- A investigação parlamentar, por mais graves que sejam os fatos pesquisados pela Comissão legislativa, não pode desviar-se dos limites traçados pela Constituição nem transgredir as garantias, que, decorrentes do sistema normativo, foram atribuídas à generalidade das pessoas, físicas e/ou jurídicas.
- A unilateralidade do procedimento de investigação parlamentar não confere, à CPI, o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias que derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais.
No contexto do sistema constitucional brasileiro, a unilateralidade da investigação parlamentar - à semelhança do que ocorre com o próprio inquérito policial - não tem o condão de abolir os direitos, de derrogar as garantias, de suprimir as liberdades ou de conferir, à autoridade pública (investida, ou não, de mandato eletivo), poderes absolutos na produção da prova e na pesquisa dos fatos.
- O Advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas - legais ou constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos.
O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.
- A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida.
O ordenamento positivo brasileiro garante, às pessoas em geral, qualquer que seja a instância de Poder, o direito de fazer-se assistir, tecnicamente, por Advogado, a quem incumbe, com apoio no Estatuto da Advocacia, comparecer às reuniões da CPI, sendo-lhe lícito reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceitos constitucionais, legais ou regimentais, notadamente nos casos em que o comportamento arbitrário do órgão de investigação parlamentar vulnere as garantias básicas daquele - indiciado ou testemunha - que constituiu, para a sua defesa, esse profissional do Direito.
- A função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei.
Os fins não justificam os meios. parâmetros ético-jurídicos que não podem nem devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática tenha motivado a instauração do procedimento estatal.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso ao inquérito (parlamentar, policial ou administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se trate de provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado com a finalidade de obter ordem judicial que determine, à Presidência da CPI do ECAD, efetivo respeito à prerrogativa – que se reconhece à entidade sob investigação parlamentar - de ser assistida, sem indevidas restrições, por Advogados por ela regularmente constituídos.
Busca-se, na presente sede mandamental, proteção judicial efetiva que garanta, ao ECAD, parte ora impetrante, o direito ao uso da palavra, a ser exercido por intermédio de seus Advogados, sempre que tal se fizer necessário ao longo das sessões de referida Comissão Parlamentar de Inquérito, inclusive para efeito de protestar, por escrito ou oralmente, contra eventuais abusos perpetrados por esse órgão de investigação parlamentar contra o autor destewrit” constitucional, de oferecer contradita a testemunhas a serem inquiridas ou de requerer quaisquer medidas destinadas a preservar direitos e garantias que o ordenamento jurídico confere a qualquer pessoa submetida a procedimentos estatais de investigação.
Pretende-se, ainda, que petições formuladas pelo ECAD sejam protocolizadas e apreciadas pela CPI em questão, cuja Presidência deverá abster-se de coibir manifestações, pela ordem, formuladas, pública e oralmente, pelos Advogados constituídos, pelo próprio ECAD, para proteção de seus direitos.
Eis, em síntese, os fundamentos em que se apóia a presente impetração mandamental:

Em 28.06.2011, foi instalada pelo Senado Federal comissão parlamentar de inquérito, com o objetivo de investigar, no prazo de cento e oitenta dias, supostas irregularidades praticadas pelo ECAD na arrecadação e distribuição de recursos oriundos do direito autoral, abuso da ordem econômica e prática de cartel no arbitramento de valores de direito autoral e conexos, o modelo de gestão coletiva centralizada de direitos autorais de execução pública no Brasil e a necessidade de aprimoramento da Lei 9.610/98.
O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD constituiu, como patronos, os advogados ** e **, inscritos na OAB/RJ sob os números ** e **, respectivamente, outorgando-lhes poderes para o exercício da advocacia perante a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal.
Sucede que, infelizmente, a Defesa do ECAD tem sido sistematicamente cerceada e as prerrogativas dos advogados, frontalmente desrespeitadas. Os advogados estão sendo impedidos de sustentar, oralmente, durante as reuniões da CPI do ECAD. Além disso, pasme-se!, os advogados acabaram impedidos, até mesmo, de peticionar!
II
Os atos ilegais
(1) Impedimento do uso da palavra pelo advogado constituído pelo ECAD, durante a sexta reunião da CPI do ECAD.
Em 16.08.2011, durante a sexta reunião da CPI do ECAD, o advogado ora signatário, Dr. **, pediu a palavra, pela ordem, para questionar a inobservância do quórum mínimo para a instalação e realização da reunião, vez que apenas dois dos onze senadores membros estavam presentes no recinto.
A questão de ordem foi afastada pelo Presidente da CPI com base no artigo 148, § 1º, do Regimento Interno do Senado Federal, que exime o quorum para a tomada de depoimentos de pessoas convidadas. Assim, após declarar aberta a sessão, o Presidente passou a convidar os depoentes do dia para tomarem assento à mesa principal.
Nesse momento, o advogado pediu novamente a palavra, em questão de ordem, para pleitear que a CPI examinasse e deliberasse sobre a petição, apresentada pelo ECAD, relativa à contradita da testemunha **, da ACIMBRA, sociedade excluída do ECAD por suspeitas de transferência forjada de trinta titulares de outra associação.
Porém, inadvertidamente, o Presidente da CPI do ECAD cassou a palavra do advogado, como ficou registrado na respectiva ata (...).
.......................................................
A palavra do advogado foi cassada porque, segundo o Presidente e o Relato da CPI do ECAD, somente os senadores membros poderiam se pronunciar oralmente, pela ordem, perante aquela Comissão. O Presidente da CPI chegou a dizer que ‘excepcionalmente’ permitiria ao advogado formular oralmente a sua questão de ordem (a regra, segundo ele, seria a de que os requerimentos deveriam ser feitos exclusivamente por escrito). Mas, logo em seguida, o Presidente, mudando de idéia, simplesmente cortou o microfone do advogado.
Assim é que o advogado, desrespeitado, ficou proibido de prosseguir em sua fala já iniciada - tanto no microfone, como fora dele - de modo que o seu pleito não foi sequer ouvido pelos demais integrantes da comissão. O Presidente da CPI recepcionou a petição, para fins de contradita, mas não deu curso ao incidente processual, de acordo com o que estabelece o artigo 214 do Código de Processo Penal. O depoimento de ** foi prestado livremente, naquela reunião, como se nada houvesse sido ofertado em oposição pela entidade investigada pela CPI...
(2) Recusa de recebimento (protocolo) de petições formuladas pela Defesa do ECAD.
Esta segunda ilegalidade, ‘data venia’, é de corar frade de pedra.
Em 16.09.2011, o ECAD dirigiu petição ao Presidente da CPI do ECAD, denunciando a atividade suspeita de um assessor parlamentar, Sr. **, que conduziria ao impedimento daquele servidor para desempenhar funções auxiliares aos trabalhos da CPI.
.......................................................
Surpreendentemente, a CPI do ECAD se recusou a receber a petição. O protocolo foi recusado pelo gabinete do Presidente da CPI do ECAD, Sr. Senador **, pelo Secretário de Apoio à Comissão Parlamentar de Inquérito, Sr. **, pelo assessor parlamentar, Sr. **, e, até mesmo, pelo protocolo geral do Senado Federal.
As tentativas de apresentação da petição foram feitas pelo Sr. **, gerente de relações institucionais do ECAD, a quem foi alegado que a CPI só receberia petições de respostas de solicitações feitas pela CPI do ECAD.
Em 20.09.2011, a Defesa do ECAD formulou outra petição, desta feita com o propósito de ter acesso a um documento de caráter confidencial, anexado, por seu Presidente, aos autos da CPI. (...).
.......................................................
Incrivelmente, esta segunda petição também foi recusada pelo protocolo da CPI do ECAD. Trata-se de requerimento cujo objeto é perfeitamente lícito e consonante com o direito do investigado de conhecer, na íntegra, os documentos já acostados aos autos de investigação conduzida por autoridade pública.
Essas recusas de protocolo das duas petições foram denunciadas à Ouvidoria do Senado, em 20.09.2011, através de contato com a sua central de atendimento telefônico (Tel.0800-612211), ficando o chamado registrado sob o nº 959.676.
Em vão.
Aparentemente, as portas do Senado se fecharam para a Defesa do ECAD, não havendo alternativa outra a não ser a de socorrer-se do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e dos direitos fundamentais.” (grifei)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar a postulação de ordem cautelar. E, ao fazê-lo, destaco, desde logo, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, em sede originária, mandados de segurança impetrados contra Comissões Parlamentares de Inquérito, quando constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou, como sucede na espécie, no de qualquer de suas Casas.
Trata-se de entendimento que tem prevalecido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RDA 196/195 – RDA 196/197 - RDA 199/205 - HC 79.244/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - MS 23.452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), cujas decisões enfatizam que as Comissões Parlamentares de Inquérito - por constituírem a “longa manus do próprio Congresso Nacional - sujeitam-se, em tema de mandado de segurança (ou de “habeas corpus”), ao controle jurisdicional imediato desta Corte Suprema (RDA 47/286-304), especialmente quando se imputar, ao órgão de investigação parlamentar, a prática abusiva de atos, que, eventualmente afetados pela eiva da inconstitucionalidade, possam gerar injusta lesão ao direito subjetivo de qualquer pessoa ou instituição.
É por essa razão - e com apoio em autorizado magistério doutrinário (JOÃO MANGABEIRA, “Em Torno da Constituição”, p. 99, 1934, Companhia Editora Nacional; PEDRO LESSA, “Do Poder Judiciário”, p. 65/66, 1915, Livraria Francisco Alves; JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, “Teoria Geral das Comissões Parlamentares - Comissões Parlamentares de Inquérito, p. 150, 2ª ed., 2001, Forense; RAUL MACHADO HORTA, “Limitações Constitucionais dos Poderes de Investigação”, “in” RDP, vol. 5/38; CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 2/80, 5ª ed., 1954; ROBERTO ROSAS, “Limitações às Comissões de Inquérito do Legislativo”, “in RDP, vol. 12/56-60; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1/358-359, 3ª ed., 2000, Saraiva, v.g.) - que tenho afirmado, a propósito da competência investigatória das Comissões Parlamentares de Inquérito, que estas não dispõem de poderes absolutos, devendo exercê-los com estrita observância dos limites formais e materiais fixados pelo ordenamento positivo e com plena submissão à autoridade hierárquico-normativa da Constituição da República.
A presente causa - motivada por grave denúncia resultante de alegados abusos que teriam sido praticados pela CPI/ECAD contra o exercício, por Advogados constituídos pelo próprio ECAD, de seus direitos e prerrogativas profissionais - suscita reflexões a propósito de matéria já assentada, há muitos anos, em jurisprudência constitucional prevalecente nesta Suprema Corte.
O regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não tem condições de subsistir, quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição.
Na realidade, o respeito incondicional aos valores e aos princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado, longe de comprometer a eficácia das investigações parlamentares, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pelas comissões legislativas.
Cabe assinalar, antes de mais nada, que a unilateralidade da investigação parlamentar - à semelhança do que ocorre com o próprio inquérito policial - não tem o condão de abolir os direitos, de derrogar as garantias, de suprimir as liberdades ou de conferir, à autoridade pública (investida, ou não, de mandato legislativo), poderes absolutos na produção da prova e na pesquisa dos fatos.
É por essa razão que, embora amplos, os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito não são ilimitados nem absolutos, daí resultando, consoante estabelece a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, que esses órgãos de investigação parlamentar não podem formular acusações nem punir delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD) nem desrespeitar o privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD).
Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a norma constitucional que outorgapoderes de investigação próprios das autoridades judiciais” a uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CF, art. 58, § 3º) traz, quanto a esta, o reconhecimento da necessidade de que os seus poderes somente devem ser exercidos de maneira compatível com a natureza do regime e com respeito (indeclinável) aos princípios consagrados na Constituição da República.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, à semelhança do que ocorre com qualquer outro órgão do Estado ou com qualquer dos demais Poderes da República, submetem-se, no exercício de suas prerrogativas institucionais, às limitações impostas pela autoridade suprema da Constituição.
Desse modo, não se revela lícito supor, na hipótese de eventuais desvios jurídico-constitucionais de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.
Nem se diga, desse modo, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e Tribunais no âmbito de atuação do Poder Legislativo.
Eventuais divergências na interpretação do ordenamento positivo não traduzem nem configuram situação de conflito institucional, especialmente porque, acima de qualquer dissídio, situa-se a autoridade da Constituição e das leis da República.
Isso significa, na fórmula política do regime democrático, que nenhum dos Poderes da República está acima da Constituição e das leis. Nenhum órgão do Estado - situe-se ele no Poder Judiciário, ou no Poder Executivo, ou no Poder Legislativo - é imune à força da Constituição e ao império das leis.
Uma decisão judicial - que restaura a integridade da ordem jurídica e que torna efetivos os direitos assegurados pelas leis - não pode ser considerada um ato de interferência na esfera do Poder Legislativo, consoante já o proclamou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em unânime julgamento:

O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder, além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta Política, não pode constituir nem qualificar-se como um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários, por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.”
(RTJ 173/805-810, 806, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Esse entendimento tem sido por mim observado em diversos julgamentos que proferi nesta Suprema Corte e nos quais tenho sempre enfatizado que a restauração, em sede judicial, de direitos e garantias constitucionais lesados por uma CPI não traduz situação configuradora de ofensa ao princípio da divisão funcional do poder, como resulta claro de decisão assim ementada:

“(...) O postulado da separação de poderes e a legitimidade constitucional do controle, pelo Judiciário, das funções investigatórias das CPIs, se e quando exercidas de modo abusivo. Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. (...).”
(HC 88.015-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” “Informativo/STF” nº 416/2006)

Tenho salientado, por isso mesmo, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as Comissões Parlamentares de Inquérito somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes, especialmente no que concerne ao necessário respeito às prerrogativas que o ordenamento positivo do Estado confere aos Advogados.
Esse entendimento nada mais reflete senão as próprias conseqüências que emanam dos fundamentos e dos princípios que regem, em nosso sistema jurídico, a organização e o exercício do poder.
Cabe reconhecer, por tal razão, que a presença do Advogado em qualquer procedimento estatal, independentemente do domínio institucional em que esse mesmo procedimento tenha sido instaurado, constitui fator inequívoco de certeza de que os órgãos do Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) não transgredirão os limites delineados pelo ordenamento positivo da República, respeitando-se, em conseqüência, como se impõe aos membros e aos agentes do aparelho estatal, o regime das liberdades públicas e os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, inclusive àquelas eventualmente sujeitas, qualquer que seja o motivo, a investigação parlamentar, ou a inquérito policial, ou, ainda, a processo judicial.
Em decisão por mim proferida no Supremo Tribunal Federal (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), já deixei acentuado que o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.
A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida.
Não custa reafirmar a advertência desta Suprema Corte no sentido de que a observância dos direitos e das garantias constitui fator de legitimação da atividade estatal. Esse dever de obediência ao regime da lei se impõe a todos - magistrados, administradores e legisladores.
O poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado Democrático de Direito, não há lugar para o poder absoluto.
Ainda que em seu próprio domínio institucional, nenhum órgão estatal pode, legitimamente, pretender-se superior ou supor-se fora do alcance da autoridade suprema da Constituição Federal e das leis da República.
O respeito efetivo aos direitos individuais e às garantias fundamentais outorgados pela ordem jurídica às pessoas em geral representa, no contexto de nossa experiência institucional, o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, em nosso País, de maneira real, o quadro democrático delineado na Constituição da República.
A separação de poderes - consideradas as circunstâncias históricas que justificaram a sua concepção no plano da teoria constitucional - não pode ser jamais invocada como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatal ou a inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa, o exercício do direito de protesto contra abusos que possam ser cometidos pelas instituições do Estado.
A investigação parlamentar, judicial ou administrativa de qualquer fato determinado, por mais grave que ele possa ser, não prescinde do respeito incondicional e necessário, por parte do órgão público dela incumbido, das normas, que, instituídas pelo ordenamento jurídico, visam a equacionar, no contexto do sistema constitucional, a situação de contínua tensão dialética que deriva do antagonismo histórico entre o poder do Estado (que jamais deverá revestir-se de caráter ilimitado) e os direitos da pessoa (que não poderão impor-se de forma absoluta).
É, portanto, na Constituição e nas leis - e não na busca pragmática de resultados, independentemente da adequação dos meios à disciplina imposta pela ordem jurídica - que se deverá promover a solução do justo equilíbrio entre as relações de tensão que emergem do estado de permanente conflito entre o princípio da autoridade e o valor da liberdade.
A controvérsia mandamental delineada na presente causa reclama solução, que, associada às diretrizes fixadas pelo modelo constitucional, encontra fundamento no Estatuto da Advocacia, cujas prescrições conferem ao Advogado determinados direitos e prerrogativas profissionais plenamente compatíveis com o integral desempenho, pela CPI, dos poderes de investigação de que se acha investida.
O que simplesmente se revela intolerável (e não tem sentido) - por divorciar-se dos padrões ordinários de submissão àrule of law” - é a sugestão, paradoxal, contraditória e inaceitável, de que o respeito pela autoridade da Constituição e das leis possa traduzir fator ou elemento de frustração da eficácia da investigação estatal.
Extremamente oportunas, sob tal aspecto, como já tive o ensejo de assinalar em anterior decisão (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), as observações feitas pelo ilustre Advogado paulista e ex-Secretário da Justiça do Estado de São Paulo, Dr. MANUEL ALCEU AFFONSO FERREIRA (“As CPIs e a Advocacia”, “in” “O Estado de S. Paulo”, edição de 05/12/99, p. A22):

Nem se diga, no lastimável argumento repugnante à inteligência e comprometedor do bom senso, que a presença ativa dos advogados nas sessões das CPIs frustraria os seus propósitos investigatórios. Fosse assim, tampouco chegariam a termo as averiguações policiais; ou os inquéritos civis conduzidos pelo Ministério Público; ou, ainda, as inquirições probatórias administradas pelo Judiciário. Com plena razão, magistrados, promotores e delegados jamais alegaram a Advocacia como obstáculo, bem ao contrário, nela enxergando meio útil à descoberta da verdade e à administração da Justiça.” (grifei)

Cabe assinalar, por isso mesmo, que as prerrogativas legais outorgadas aos Advogados possuem finalidade específica, pois visam a assegurar, a esses profissionais do Direito - cuja indispensabilidade é proclamada pela própria Constituição da República (CF, art. 133) -, o exercício, perante qualquer instância de Poder, de direitos próprios destinados a viabilizar a defesa técnica daqueles em cujo favor atuam.
Desse modo, não se revela legítimo opor, ao Advogado, restrições, que, ao impedirem, injusta e arbitrariamente, o regular exercício de sua atividade profissional, culminem por esvaziar e nulificar a própria razão de ser de sua intervenção perante os órgãos do Estado, inclusive perante as próprias Comissões Parlamentares de Inquérito.
É por isso que se torna necessário insistir no fato de que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito, embora amplos, não são ilimitados nem absolutos.
Por tal razão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento definitivo do MS 23.452/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, deixou assentado, por unanimidade, “que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos - sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política estabelecer.
Nesse contexto, assiste, ao Advogado, a prerrogativa - que lhe é dada por força e autoridade da lei - de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do “munus” de que se acha incumbido esse profissional do Direito, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional.
Por esse motivo, nada pode justificar o desrespeito às prerrogativas que a própria Constituição e as leis da República atribuem ao Advogado, pois o gesto de afronta ao estatuto jurídico da Advocacia representa, na perspectiva de nosso sistema normativo, um ato de inaceitável ofensa ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado.
Vale transcrever, por oportuno, trecho de decisão proferida pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, no MS 23.684-MC/DF, em que se assegurou, a Advogados, no âmbito de Comissão Parlamentar de Inquérito, “o exercício regular do direito à palavra, na conformidade do art. 7º, X e XI, da L. 8.906/94”:

Como tenho afirmado em casos anteriores, ao conferir às CPIs ‘os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’ (art. 58, § 3º), a Constituição impôs ao órgão parlamentar as mesmas limitações e a mesma submissão às regras do devido processo legal a que sujeitos os titulares da jurisdição.
Entre umas e outras, situam-se com relevo as prerrogativas elementares do exercício da advocacia, outorgadas aos seus profissionais em favor da defesa dos direitos de seus constituintes.” (grifei)

O presente caso põe em evidência, uma vez mais, situação impregnada de alto relevo jurídico-constitucional, consideradas as graves implicações que resultam de injustas restrições impostas ao exercício, em plenitude, do direito de defesa e à prática, pelo Advogado, das prerrogativas profissionais que lhe são inerentes (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos XIII e XIV).
O Estatuto da Advocacia - ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios formalmente produzidos no âmbito da investigação.
Impende enfatizar que o Advogado, atuando em nome de seu constituinte, possui o direito de acesso aos autos da investigação penal, policial ou parlamentar, ainda que em tramitação sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser compreendido - enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República - em perspectiva global e abrangente.
É certo, no entanto, em ocorrendo a hipótese excepcional de sigilo - e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução (a significar, portanto, que se trata de providências ainda não formalmente incorporadas ao procedimento de investigação) -, que o Advogado tem o direito de conhecer as informações “já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (...)” (RTJ 191/547-548, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).
Vê-se, pois, que assiste, àquele sob investigação do Estado, p. ex., o direito de acesso aos autos, por intermédio de seu Advogado, que poderá examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em decisões proferidas por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 90.232/AM, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Inq 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a investigação estatal (como aquela conduzida por uma CPI) esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do investigado, desde que por este constituído, poderá ter acesso às peças que digam respeito à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova já produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 191/547-548):

Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade.
A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.
O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência, a autoridade policial, de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório.” (grifei)

Devo salientar, neste ponto, que assim tenho julgado nesta Suprema Corte, havendo proferido decisões nas quais assegurei, a pessoas submetidas a investigação do Poder Público, o direito de acesso a documentos, que, embora sob cláusula de sigilo, já haviam sido formalmente introduzidos nos autos da investigação estatal, considerado, para tanto, o postulado da comunhão da prova:

RECLAMAÇÃO. DESRESPEITO AO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF. PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA EM JUÍZO OU FORA DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCU­MENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL) OU A ESTES REGULARMENTE APENSADOS. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. RECLAMAÇÃO PROCEDENTE, EM PARTE.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.”
(Rcl 8.770-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Esse mesmo entendimento foi por mim reiterado, quando do julgamento de pleito cautelar que apreciei em decisão assim ementada:

INQUÉRITO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO PENAL. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.
- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito. Precedentes. Doutrina.”
(HC 87.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2007)

Cumpre referir, ainda, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 88.190/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, reafirmou o entendimento anteriormente adotado por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 87.827/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), em julgamento que restou consubstanciado em acórdão assim ementado:

ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5°, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76. Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte.” (grifei)

Vale assinalar, por relevante, que o postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais, assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre investigação estatalainda que submetida esta ao regime de sigilo -, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica.
É que a prova (inclusive a penal), uma vez regularmente introduzida no procedimento investigatório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de investigação por parte do Estado.
Essa compreensão do temacabe ressaltar - é revelada por autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, “Da Prova no Processo Penal”, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “O Princípio da Comunhão da Prova”, “in” Revista Dialética de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lição expendida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in” Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama oprincípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência. (...).” (grifei)

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinência, o magistério de PAULO RANGEL (“Direito Processual Penal”, p. 411/412, item n. 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris):

A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada apenas por um deles. (...).
O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova levado para os autos.
(...) Por conclusão, os princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem com que as provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das provas.” (grifei)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas - e considerando, sobretudo, as graves alegações constantes desta impetração -, defiro o pedido de medida liminar, para, nos estritos termos da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), assegurar, aos Advogados do ora impetrante, que se acham regularmente inscritos nos quadros da OAB/Seção do Rio de Janeiro, e que atuam na defesa dos direitos do ECAD, ora impetrante, a observância e o respeito, por parte do Senhor Presidente da CPI do ECAD, e dos membros que a compõem, das seguintes prerrogativas estabelecidas no diploma legislativo mencionado:

(a) direito de receber, no exercício de suas atribuições profissionais, “tratamento compatível com a dignidade da Advocacia”, além de garantidas, para esse efeito, condições adequadas ao desempenho de seu encargo profissional (Lei nº 8.906/94, art. 6º, parágrafo único);

(b) direito de exercer, sem indevidas restrições, com liberdade e independência, a atividade profissional de Advogado perante a CPI do ECAD (Lei nº 8.906/94, art. 7º, I), assegurando-se-lhes a prerrogativa de que as suas petições, formuladas em nome da parte impetrante, sejam protocolizadas e apreciadas pela CPI em questão, inclusive o pleito pelo qual se haja solicitado “cópia do documento identificado como de caráter reservado e sigiloso”, notadamente porque documentos sob sigilo, mas formalmente incorporados aos autos de investigação, mostram-se plenamente acessíveis à pessoa investigada, tendo em vista o princípio da comunhão da prova;

(c) direito de “falar, sentado ou em pé”, perante a CPI do ECAD (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XII), quando se revelar necessário intervir, verbalmente, para esclarecer equívoco ou dúvida em relação a fatos, documentos ou afirmações que guardem pertinência com o objeto da investigação legislativa - desde que o uso da palavra se faça pela ordem, observadas as normas regimentais que disciplinam os trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito -, ou, ainda, para oferecer contradita a testemunhas, aplicando-se, no que couber, o art. 214 do CPP c/c a Lei nº 1.579/52 (art. 3º), assegurado, também, o direito de o representante do ECAD fazer-se acompanhar de seus Advogados, mesmo que a sessão da CPI se faça “em reunião secreta” (Lei nº 1.579/52, art. 3º, § 2º, acrescentado pela Lei nº 10.679/2003).


2. Requisitem-se informações à autoridade apontada como coatora (Lei nº 12.016/2009, art. 7º, I).
3. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão, para efeito de seu integral cumprimento, ao Senhor Presidente da CPI/ECAD.

Publique-se.

Brasília, 05 de outubro de 2011.
(23º aniversário da promulgação da Constituição democrática de 1988)

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 10.10.2011