segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Recebimento da Denúncia - Fundamentação - Necessidade

Processo Penal. Decisão que recebe a denúncia. Necessidade de fundamentação.


“Denúncia. Rejeição pelo juízo de primeiro grau. Recebimento em recurso em sentido estrito. Repúdio ao fundamento da decisão impugnada. Acórdão carente de fundamentação sobre outros aspectos da inicial. Nulidade processual caracterizada. Não conhecimento do recurso extraordinário. Concessão, porém, de habeas corpus de ofício. É nula a decisão que recebe denúncia sem fundamentação suficiente sobre a admissibilidade da ação penal.” (STF - 2ª T. - RE456.673 - rel. Cezar Peluso - j. 31.03.2009 - DJe 22.05.2009).

Do Aproveitamento da Prova Obtida Por Meio Ilícito: a tese da ponderação versus o senso de adequabilidade normativa

Do Aproveitamento da Prova Obtida Por Meio Ilícito: a


tese da ponderação versus senso de adequabilidade

normativa

Bruno César Gonçalves da Silva

Mestre em Direito Processual pela PUC-Minas.

Professor de Direito Processual Penal no IEC/PUC-Minas e na pós-graduação da Faculdade Milton Campos.

Advogado Criminalista.

A TESE DA PONDERAÇÃO E SUA APLICAÇÃO NO CAMPO PROBATÓRIO

No entender de Alexy (2003, p. 5) a ponderação ou “[...] o balanceamento é uma parte

do que é requerido por um princípio mais abrangente (‘comprehensive’). Este princípio

mais abrangente é o princípio da proporcionalidade (‘Verhaltnismassgkeitsgrundsatz’)”.

Segundo Galuppo (1998, p. 137), foi desenvolvendo estudos acerca do denominado

princípio da proporcionalidade que Alexy1 buscou estabelecer, a partir de sua utilização,

um critério para lidar com “[...] o conflito de princípios jurídicos ou, mais precisamente, a

colisão ou tensão entre princípios jurídicos”.

Conforme o próprio Alexy (1997):

“Cuando dos principios entran en colisión – tal como es el caso

cuando según un principio algo está prohibido y, según otro

principio, está permitido – uno de los principios tiene que ceder

ante el otro”2. (ALEXY, 1997, p. 89.)

Para Alexy (1997, p. 89), esta colisão de princípios seria resolvida “en la dimensión del

peso”, através da denominada ponderação:

“[...] el conflicto debería ser solucionado a través de una

ponderación de los intereses opuestos. En esta ponderación,

de lo que se trata es de la ponderación de cuál de los intereses,

abstractamente del mismo rango, posee mayor peso en el

caso concreto [...]”3. (ALEXY, 1997, p. 90.) (Grifos do autor.)

Serrano (1990) discorrendo sobre a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade4 na

seara do direito processual penal, afirma que o mesmo se aplicaria:

“[...] con el fin de determinar, mediante la utilización de las

técnicas del contrapeso de bienes o valores y la ponderación de

intereses según las circunstancias del caso concreto, si el sacrificio

de los intereses individuales que comporta la injerencia guarda una

1 Professor alemão, Robert Alexy desenvolveu estudos acerca do princípio da proporcionalidade em

sua obra intitulada: “Teoría de los derechos fundamentales”. Cf.: Alexy (1997).

2 “Quando dois princípios entram em colisão – tal como é o caso quando segundo um princípio

algo está proibido e, segundo outro principio, está permitido – um dos princípios tem que ceder

ao outro.” (Tradução nossa.)

3 “[...] o conflito deveria ser solucionado através de uma ponderação dos interesses opostos.

Nesta ponderação, o que se trata é da ponderação de qual dos interesses, abstratamente do

mesmo nível, possui maior peso no caso concreto [...].” (ALEXY, 1997, p. 90.) (Tradução nossa

e grifos do autor.)

4 Serrano (1990, p. 225) está aqui abordando o princípio da proporcionalidade em sentido estrito,

“[...] esse princípio expressa o que significa a otimização relativa às possibilidades jurídicas

(legal)”. (ALEXY, 2003, p. 6.)

relación razonable o proporcionada con la importancia del interés

estatal que se trata de salvaguardar”5. (SERRANO, 1990, p. 225.)

Assim, no entender de Etxeberria Guridi (1999, p. 244), para se trabalhar a

aplicabilidade do princípio da ponderação “[...] hay que acudir necesariamente al terreno

de los valores, ya que hay que ponderar los intereses o bienes confrontados o afectados

conforme al ideal de justicia” 6.

Conforme Serrano (1990, p. 226), em seu campo próprio que se encontra no terreno dos

valores; ao ser aplicado no processo penal irá tratar essencialmente da “[...] tensión

existente entre los intereses estatales e individuales [...]” 7.

Além deste aspecto valorativo o princípio da proporcionalidade também possui um

aspecto ponderativo, pois a tensão entre os interesses aludidos só se dará “[...]

mediante la ponderación de los valores e intereses involucrados en el caso concreto,

operación tras la cual podrá concederse si el médio se encuentra en razonable proporción

con el fin perseguido” 8. (SERRANO, 1990, p. 226.) Ou seja, segundo este autor, na

aplicação do princípio da proporcionalidade se faz “[...] la ponderación entre fines y

médios [...]”, realizando-se uma análise de custo-benefício. (HABERMAS, 2002, p. 355.)

Completando o magistério de Serrano (1990), Etxeberria Guridi (1999)

também destaca o caráter da ponderação do referido princípio, afirmando que:

“Se trata también de un principio ponderativo, ya que la tensión

entre los intereses individuales y los estatales ha de resolverse

mediante una ponderación de los valores e intereses

involucrados en el caso concreto”9. (ETXEBERRIA GURIDI,

1999, p. 244-245.) (Grifo do autor.)

5 “[...] com o fim de determinar, mediante a utilização das técnicas de contrapeso de bens ou

valores e a ponderação de interesses segundo as circunstâncias do caso concreto, se o sacrifício

dos interesses individuais que comporta a ingerência guarda uma relação razoável ou

proporcionada com a importância do interesse estatal que se trata de salvaguardar.” (Tradução

nossa.)

6 “[...] há que se recorrer necessariamente ao terreno dos valores, já que há que se ponderar os

interesses ou bens confrontados ou afetados conforme o ideal de justiça.” (Tradução nossa.)

7 ... ao ser aplicado no processo penal irá tratar essencialmente da “[...] tensão existente entre os

interesses estatais e individuais [...]”. (Tradução nossa.) Conforme também assevera Etxeberria

Guridi (1999, p. 246): “[...] o conflito de interesses na atuação processual penal resta marcado

pela relação Estado-indivíduo”. (Tradução nossa.)

8 “[...] mediante a ponderação dos valores e interesses intercalados no caso concreto, operação

pela qual poderá conceber-se se o meio se encontra em razoável proporção com o fim

almejado.” (Tradução nossa.)

9 “Trata-se também de um princípio ponderativo, já que a tensão entre os interesses individuais e

os estatais há de resolver-se mediante uma ponderação dos valores e interesses

intercalados no caso concreto.” (Tradução nossa e grifo do autor.)

Entretanto, o conceito de ponderação encontra muitas críticas10, conforme acentua o

próprio Alexy (1997):

“Muchas veces se ha objetado en contra del concepto de

ponderación que no constituye un método que permita un control

racional. Los valores y principios no regulan por sí mismos su

aplicación, es decir, la ponderación quedaría sujeta al arbitrio de

quien la realiza. Allí donde comienza la ponderación, cesaría el

control a través de las normas y el método. Se abriría así el campo

para el subjetivismo y decisionismo judiciales”11. (ALEXY, 1997, p.

157.)

Respondendo à critica, Alexy (1997) sustenta ser a ponderação racional, não sendo,

portanto, fruto de mero decisionismo, sempre que puderem se fundamentar

racionalmente os enunciados que estabeleçam a preferência entre os princípios

opostos. E, para fundamentar a preferibilidade, “[...] as razões elencadas podem ser, a

título de exemplo, a intenção original do legislador, as conseqüências sociais benéficas ou

maléficas de certa decisão, as opiniões dogmáticas e a jurisprudência”. (GALUPPO, 1998,

p. 139.)

Indicando as razões que, no processo penal, poderiam justificar a utilização da

ponderação de valores, Etxeberria Guridi (1999, p. 246) destaca os fundamentos ligados

à questão da conseqüência jurídica, à importância da causa e ao critério do grau da

imputação.

Inicialmente, Etxeberria Guridi (1999, p. 246-249) sustenta a possibilidade de, em apelo

às “[...] espectativas de las consecuencias jurídicas derivadas del delito [...]”, aplicar-se

o princípio para, inclusive, “[...] ponderar la proporcionalidad de medidas de

investigación restritivas de derechos fundamentales [...]”.

Posteriormente sustenta “[...] la importancia que cabe atribuir a la causa que se ventila

[...]”, que pode ser determinada pela pena abstratamente cominada ao tipo penal, pela

natureza do bem jurídico lesado, pela intensidade do comportamento delitivo, pela

lesividade social de seus efeitos ou por circunstâncias ligadas à pessoa do acusado,

justificaria a aplicação do princípio e fundamentaria a ponderação realizada. E,

finalmente, menciona o autor que a possibilidade diante do “[...] interés legítimo de la

sociedad en luchar eficazmente contra determinadas modalidades de hechos delictivos

10 Serrano (1990) também discorre sobre as críticas direcionadas à ponderação.

11 “Muitas vezes tem-se objetado contra o conceito de ponderação que não constitui um método

que permita um controle racional. Os valores e princípios não regulam por si mesmos sua

aplicação, quer dizer, a ponderação ficaria sujeita ao arbítrio de quem a realiza. Ali onde

começa a ponderação, cessaria o controle através das normas e do método. Se abriria assim o

campo para o subjetivismo e decisionismo judiciais.” (Tradução nossa.)

(por ejemplo, el narcotráfico) [...]” 12, que denomina de grau da imputação ou, em

outras palavras, de gravidade do crime, justificaria realizar a ponderação no caso

concreto.

Conforme exposto por Etxeberria Guridi (1999), Andrade (1992, p. 30) menciona

orientação presente na jurisprudência alemã tendente a utilizar-se de um conjunto de

fórmulas imprecisas como “justiça funcionalmente capaz” e de realizar uma “luta eficaz

contra o crime” como argumentos para “sustentar, em matéria de proibições de prova,

um regime diferenciado para a criminalidade grave” 13.

À luz do princípio da ponderação de interesses, imanente a toda a problemática das

proibições de prova, há-de identificar-se uma área mais ou menos extensa em que os

direitos individuais poderão ser sacrificados em sede de produção e valoração da prova,

em nome da prevenção e repressão das manifestações mais drásticas e intoleráveis da

criminalidade. (ANDRADE, 1992, p. 28.) (Grifo do autor.)

Os fundamentos de tal preferibilidade que, como visto, têm conteúdos exclusivamente

axiológicos, permite afirmar-se que ao realizar a ponderação, conforme Habermas (2002,

p. 357): “[...] Alexy trata os princípios como valores [...]”, podendo resultar da

ponderação não necessariamente a indicação do que é devido do ponto de vista jurídico,

mas o que é melhor, do ponto de vista valorativo. (ALEXY, 1997, p. 147.) (Grifo do

autor.)

Apesar dos vários argumentos em favor da utilização da ponderação, notadamente no

específico campo do processo penal e das proibições probatórias, Andrade (1992, p. 34)

repudiando a mesma, afirma que tal “[...] concepção está longe de dominar

pacificamente o panorama doutrinal [...]”, havendo um grupo significativo de autores

que refutam inclusive a “pertinência da fundamentação e enquadramento jurídicoconstitucional”

do princípio da ponderação.

Nesta linha:

Autores como Grunwald, Hassemer, Wolter ou Amelung, vêm

pondo em evidência que a doutrina da ponderação, com o sentido

e alcance sumariamente assinalados, para além de colidir com

12 Inicialmente Etxeberria Guridi (1999, p. 246-248) sustenta a possibilidade de, em apelo às “[...]

expectativas das conseqüências jurídicas derivadas do delito [...]” aplicar-se o princípio para,

inclusive, “[...] ponderar a proporcionalidade de medidas de investigação restritivas de direitos

fundamentais [...]”. Posteriormente sustenta “[...] a importância que cabe atribuir à causa em

debate [...]”. E, finalmente, menciona a possibilidade diante do “[...] interesse legítimo da

sociedade em lutar eficazmente contra determinadas modalidades de fatos delituosos (por

exemplo, o narcotráfico) [...]”. (Tradução nossa.)

13 Para Andrade (1992) o postulado de um tratamento diferenciado para a criminalidade grave,

reside “[...] na base de uma representação que presta homenagem ao enunciado de CARPZOV

in delicits atrocissimis propter criminis enormitatem jura transgredi licet”. (ANDRADE, 1992, p.

32.)

princípios balisares da organização e funcionamento do Estado de

direito, só seria possível em nome duma compreensão do direito

extremamente orientado para as conseqüências e, por isso,

indiferente à legitimação material e à margem de todo o lastro

ético-axiológico. (ANDRADE, 1992, p .34.)

Hassemer, citado por Andrade (1992, p. 37), afirma ser a ponderação de bens o “[...]

mecanismo que, na hora da necessidade, legitima a violação de direitos e princípios que

constituem as colunas sobre que assenta a nossa cultura jurídica”.

Traz considerações semelhantes, Wolter citado por Andrade (1992):

Em todos os casos que contendam com a dignidade humana, não

poderão ser chamados à ponderação os interesses por uma justiça

penal eficaz. Quem o fizesse não tomaria a sério nem a

inviolabilidade da dignidade humana nem um processo penal

vocacionado para a proteção dos direitos fundamentais. Pois, na

situação de criminalidade mais grave uma tal ponderação de

interesses redundaria sistematicamente na frustração da tutela dos

direitos fundamentais. (WOLTER apud ANDRADE, 1992, p. 38.)

Proclama ainda, este último autor, que:

A procura da verdade material e de uma decisão justa, os esforços

pela punição e reparação dos danos não são apenas relativizados

pela garantia da dignidade humana, mas por ela inteiramente

bloqueados. [...] Também AMELUNG contesta a legitimidade

constitucional de o segundo e terceiro poderes reduzirem a

compreensão e extensão dos direitos fundamentais em nome

duma ponderação autônoma de interesses. Doutrina que

estigmatiza como causa primeira do decisionismo incontrolável que

caracteriza a jurisprudência alemã em matéria de proibições de

prova. (ANDRADE, 1992, p. 38 e 40.) (Grifo do autor.)

No entender deste trabalho assiste razão aos autores que rechaçam a utilização da

ponderação ou balanceamento pois, conforme Habermas (1997, v. I, p. 321), o

balanceamento dilui o caráter normativo dos direitos fundamentais, vez que estes seriam

degradados ao nível dos objetivos, das políticas e dos valores, bem como pelo fato de o

sopesamento dos valores poder ocorrer de forma arbitrária ou irrefletida e diria mesmo,

este estudo, discricionária.

Aplicar tal ponderação especificamente visando o aproveitamento de provas obtidas por

meio ilícito acabaria por colocar “[...] o interesse da perseguição penal no mesmo plano

dos princípios fundamentais do processo penal de um Estado de direito”. (GRUNWALD

apud ANDRADE, 1992, p. 35.)

E, uma vez que esse interesse existe sempre, admitir a ponderação num caso concreto

“[...] corresponderia a abrir a porta à valorização generalizada [...]”, (SCHMITT apud

ANDRADE, 1992, p. 34.)

Ademais, quando o julgador busca aplicar a ponderação com o objetivo de tornar válida

uma prova obtida ilicitamente e, portanto, para poder utilizá-la como fundamento de

uma decisão, necessariamente o julgador já realizou um juízo a priori, antecipando seu

convencimento acerca da culpabilidade do agente e, então, para poder fundamentar em

provas sua conclusão é que parte em busca de uma forma de resgatar o elemento de

prova ilicitamente obtido.

Assim a ponderação é tomada como o mecanismo que, em face dos interesses em jogo,

fundamenta uma decisão com substrato em prova ilicitamente obtida, fazendo com que

os fins justifiquem os meios (HAIRABEDIÁN, 2002, p. 96), o que, segundo Edwards,

citado por Hairabedián (2002, p. 218): “[...] implica una verdadera desnaturalización de

la prueba ilegal” 14.

Dessa forma as decisões do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso

Extraordinário n.º 251.445-GO e do Habeas Corpus n.º 80.949, rechaçaram com

propriedade a utilização da aludida ponderação ou balanceamento de valores para

afirmar o caráter normativo do princípio de direito fundamental que institui a

inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, pois:

Na medida em que um tribunal constitucional adota a doutrina da

ordem de valores e a toma como base de sua prática de decisão,

cresce o perigo dos juízos irracionais, porque, neste caso, os

argumentos funcionalistas prevalecem sobre os normativos.

(HABERMAS, 1997, v. I, p. 321-322.)

Isto porque tanto no Acórdão do Recurso Extraordinário n.º 251.445-GO, que teve como

Relator o Ministro Celso de Mello e tratou de provas ilicitamente obtidas por

particular, como no Acórdão do Habeas Corpus n.º 80.949, cujo Relator foi o Ministro

Sepúlveda Pertence, a tese da ponderação foi rechaçada precisamente com base nos

argumentos aqui colacionados, evitando-se que o princípio da proporcionalidade se

14 …o que, segundo Edwards, citado por Hairabedián (2002, p. 218): “[…] implica uma verdadeira

desnaturalização da prova ilegal”. (Tradução nossa.)

convertesse “[...] em instrumento de frustração da norma constitucional que repudia a

utilização, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos”. (RE n.º 251.445-GO.)

Ademais, conforme ressaltou o Relator do Habeas Corpus nº 80.949, Ministro Sepúlveda

Pertence, na Constituição brasileira existe prescrição expressa, erigida à categoria de

direito fundamental, da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito o que, por

exemplo, não existe no contexto alemão e sequer, pelo menos não de modo expresso, no

direito espanhol. (RAMOS RUBIO, 2000, p. 16.) Por óbvio tal dado é de extrema

relevância para a fixação do parâmetro interpretativo.

Para Andrade (1992, p. 196) reconhecer que o referido princípio é instrumento de

garantia dos direitos fundamentais no processo penal, limitando a busca a qualquer custo

da “verdade processual” reclama como uma de suas implicações mais óbvias “[...] a

extensão de princípio da proibição de valoração às provas proibidas e realizadas por

particulares [...]”.

O princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos é uma norma de

direito fundamental, e os direitos fundamentais “[...] ao serem levados a sério em seu

sentido deontológico, não caem sob uma análise dos custos e vantagens [...]”, segundo

afirma Habermas (1997, v. I, p. 322), o que representa o ponto de partida da tese da

ponderação.

PROVA ILÍCITA “PRO REO” E O SENSO DE ADEQUABILIDADE NORMATIVA

Importa neste ponto destacar que, da diferença traçada entre Discurso de Justificação e

Discurso de Aplicação do Direito, tem-se que toda a carga axiológica e ponderativa

suscitada pelos adeptos da tese da ponderação deve orientar apenas o Discurso de

Justificação.

Já o segundo, o denominado Discurso de Aplicação, deve ter como único referencial a

base normativa, buscando-se o estabelecimento da norma adequada ao caso concreto.

(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998, p. 136-137.)

Assim, quando o legislador constituinte no Discurso de Justificação ponderou como

predominante a inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito, erigindo a mesma à

categoria de direito fundamental, instituiu-se a base normativa que constitui o referente

para o Discurso de Aplicação.

Isto posto, cabe aqui ressaltar que, no entender deste estudo, denota ser um grande

equívoco o sustentar-se que se uma prova obtida por meio ilícito favorecer o acusado,

ela poderia ser utilizada em face da ponderação dos interesses em conflito, ou seja, pela

incidência do princípio da proporcionalidade, absolutamente. O que aqui se percebe é

uma clara incidência do senso de adequabilidade desenvolvido por Gunther (2000) e

muito bem trabalhado por Cattoni de Oliveira (1998, p.137).

Melhor explicando, ainda segundo Cattoni de Oliveira (1998, p. 137): “[...] a solução

correta advém, pois, do desenvolvimento de um senso de adequabilidade normativa

[...]”.

Assim, havendo colisão de princípios em um caso concreto, não se deve partir para uma

otimização dos mesmos, mas sim trabalhando exclusivamente com base normativa,

analisando as especificidades do caso concreto, fundamentar a aplicação do princípio

mais adequado a se garantir os direitos fundamentais do cidadão.

Assim, quando se tem um elemento de prova ilicitamente obtido que favoreça o acusado,

alguns princípios passam a colidir no caso concreto, quais sejam: o da inadmissibilidade

das provas obtidas por meio ilícito contra o da presunção de não-culpabilidade e ampla

defesa.

Todos os princípios configuram-se como garantias processuais dos indivíduos submetidos

à persecução penal, e delineiam um perfil específico para o devido processo legal no

âmbito penal.

Se, como já afirmado, ante a colisão entre os princípios mencionados deve-se repudiar o

critério da ponderação e buscar-se um “senso de adequabilidade normativa”, uma

questão se propõe:

Na hipótese acima descrita, caso o princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por

meio ilícito fosse aplicado, estaria este exercendo alguma função típica de garantia

processual da pessoa submetida à persecução penal, inadmitindo-se um elemento de

prova que pudesse fundamentar sua absolvição? Em outras palavras, o mesmo mostrarse-

ia adequado a tal hipótese?

Em atinência à linha de pesquisa adotada neste trabalho conclui este estudo apresentarse

o princípio da presunção de não-culpabilidade e ampla defesa como aqueles

adequados a desempenhar a função de garantia individual no caso, afastando-se a

incidência do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos que,

efetivamente, não se mostra adequado a assegurar ao indivíduo, neste caso, a garantia

do direito fundamental à liberdade.

Para chegar a tal conclusão não recorreu o estudo, ora apresentado, ao campo dos

valores nem realizou uma ponderação entre os princípios em questão, no sentido de

colocá-los sobre uma balança visando à mensuração de seus pesos.

Tão somente atendo-se às próprias e particularizadas finalidades dos referidos princípios,

em face das peculiaridades do caso concreto, este estudo pôde constatar maior

adequação da aplicação do princípio da presunção de não –culpabilidade e ampla defesa

à hipotética situação em epígrafe.

CONCLUSÃO

Após essa sintética exposição a cerca do tema proposto, o presente estudo nos permite

extrair algumas conclusões, como as descritas a seguir:

a) A tese da ponderação deve ser repudiada em matéria de proibições probatórias, sob

pena de romper-se com o necessário limite à busca de provas no processo penal, um dos

corolários do “modelo constitucional de processo”.

b) Tanto no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 251.445 como no julgamento do

Habeas Corpus n.º 80.949, o Supremo Tribunal Federal rechaçou corretamente a

utilização do princípio da proporcionalidade em matéria de proibição de prova.

c) Havendo prova obtida ilicitamente que favoreça o acusado, é possível a utilização da

mesma, mas não em função de uma suposta aplicação da tese da ponderação e sim da

utilização do senso de adequabilidade normativa que conforme o caso concreto pode

afastar a incidência do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas em face da

melhor adequação das normas que instituem os princípios da presunção de nãoculpabilidade

e ampla defesa.

BIBLIOGRAFIA

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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Prisão Preventiva, gravidade objetiva do crime e clamor público

HC N. 96.577-DF


RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO, NO CLAMOR PÚBLICO E NA DECRETAÇÃO DE REVELIA DO RÉU - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL – UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA – PEDIDO DEFERIDO.

A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.

- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada em situações de absoluta necessidade.

A prisão preventiva, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.

- A questão da decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.

A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.

- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.

- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.

O CLAMOR PÚBLICO NÃO BASTA PARA JUSTIFICAR A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR.

- O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.

- O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu. Precedentes.

PRISÃO CAUTELAR E DECRETAÇÃO DE REVELIA DO ACUSADO.

- A mera decretação de revelia do acusado não basta, só por si, para justificar a decretação ou a manutenção da medida excepcional de privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECES¬SIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.

- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão preventiva.

O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.

- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.

Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade.

Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.

O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.

Sustentação Oral - HC - Direito de Defesa

Sustentação Oral - HC - Direito de Defesa (Transcrições)


HC 103867 MC/PA*

RELATOR: Min. Celso de Mello



EMENTA: “HABEAS CORPUS” – SUSTENTAÇÃO ORAL – PEDIDO FORMULADO EM TEMPO OPORTUNO – ADVOGADO QUE FOI INJUSTAMENTE IMPEDIDO DE FAZER SUSTENTAÇÃO ORAL, POR AUSÊNCIA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DA DATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO “HABEAS CORPUS” IMPETRADO PERANTE O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – CONFIGURAÇÃO DE DESRESPEITO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA - OFENSA AO POSTULADO DO “DUE PROCESS OF LAW” – LIMINAR DEFERIDA.

- A sustentação oral - que traduz prerrogativa jurídica de essencial importância - compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito - por falta de prévia comunicação, por parte do Superior Tribunal de Justiça, da data de julgamento do “habeas corpus”, requerida, em tempo oportuno, pelo impetrante, para efeito de sustentação oral de suas razões - afeta o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa, que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa, enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.


DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (Apenso, fls. 225):


“PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. VÍCIO NÃO CONFIGURADO.

O reconhecimento do vício do excesso de linguagem reclama a verificação do uso de frases, afirmações ou assertivas que traduzam verdadeiro juízo conclusivo sobre a participação do acusado no crime objeto da denúncia, de maneira a influenciar os jurados futuramente no julgamento a ser realizado. Veda-se, portanto, a eloquência acusatória, por extrapolar o mero juízo de admissibilidade da acusação, invadindo a competência do Conselho de Sentença, hipótese inocorrente na espécie, em que não houve esse juízo antecipado da ‘quaestio’, haja vista a utilização dos termos adequados a este ato processual.

Ordem denegada.”

(HC 130.817/PA, Rel. Min. FELIX FISCHER - grifei)


Alega-se, na presente sede processual, que o E. Superior Tribunal de Justiça não poderia ter julgado, sem a prévia comunicação ao ora impetrante, o “writ” constitucional em causa, pois formulado, em tempo oportuno, pleito de sustentação oral.

Busca-se, pois, nesta impetração, a concessão de ordem para “(...) anular o v. acórdão proferido no HC n. 130817/PA, a fim de que outro seja proferido, com prévia ciência do Impetrante para apresentação de sustação oral (...)” (fls. 09 – grifei).

Entendo que se mostra densa a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora deduzida, especialmente no que concerne à essencialidade do direito de fazer sustentação oral perante os Tribunais nas hipóteses previstas na legislação processual ou nos regimentos internos das Cortes judiciárias.

Tenho assinalado, ao examinar esse aspecto da questão, que a sustentação oral, por parte de qualquer réu, compõe, segundo entendo, o estatuto constitucional do direito de defesa (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

A sustentação oral, notadamente em sede processual penal, qualifica-se como um dos momentos essenciais da defesa. Na realidade, tenho para mim que o ato de sustentação oral compõe, como já referido, o estatuto constitucional do direito de defesa, de tal modo que a indevida supressão dessa prerrogativa jurídica (ou injusto obstáculo a ela oposto) pode afetar, gravemente, um dos direitos básicos de que o acusado - qualquer acusado - é titular, por efeito de expressa determinação constitucional.

Esse entendimento apóia-se em diversos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte (RTJ 140/926, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 176/1142, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 67.556/MG, Rel. Min. PAULO BROSSARD - HC 76.275/MT, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.), valendo referir, na linha dessa orientação, decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:


“(...) A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração desse direito afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa - que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa -, quando configurado, enseja a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.”

(RTJ 177/1231, Rel. Min. CELSO DE MELLO)


Todos os fundamentos que venho de expor conferem, a meu juízo, densa plausibilidade jurídica à pretensão cautelar ora deduzida pela parte impetrante.

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, sem prejuízo de ulterior reexame da questão suscitada nesta sede processual, e considerando, ainda, decisão por mim proferida em causa virtualmente idêntica à ora em exame (HC 96.958-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, a eficácia da ordem de prisão e da decisão de pronúncia, proferida, nos autos do Recurso em Sentido Estrito nº 2007.3.006276-4, pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará, e o andamento da Ação Penal nº 046.2000.2.000004-4, ora em tramitação perante o Juízo da Vara Criminal da comarca de Rondon/PA.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 130.817/PA), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará (Recurso em Sentido Estrito nº 2007.3.006276-4) e ao Juízo de Direito da Vara Criminal da comarca de Rondon/PA (Processo-crime nº 046.2000.2.000004-4).

Publique-se.

Brasília, 23 de junho de 2010.


Ministro CELSO DE MELLO

Relator

*decisão publicada no DJE de 29.6.2010

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Da garantia da ordem pública como fundamento de decretação da prisão preventiva

Uma vez mais: da garantia da ordem pública como fundamento de decretação da prisão preventiva


Bruno César Gonçalves da Silva

Mestre em Direito Processual pela PUC-Minas, professor de Processo Penal na

pós-graduação da Faculdade Milton Campos


INTRODUÇÃO

O ainda vigente Código de Processo Penal Brasileiro, implantado em pleno "Estado

Novo", teve como modelo o Código de Processo Penal Italiano de 1930, gerado pelo

regime fascista e que seguia os postulados da Escola Técnico-Jurídica. Em

conseqüência disto, o CPP apresenta enfoque marcadamente autoritário, que pode

ser constatado em várias de suas disposições, notadamente nas referentes às

prisões provisórias, cuja aplicação automática dispensava, em certas hipóteses,

qualquer justificativa assentada em razão de cautela.

Com o advento da Constituição da República em 1988, a proclamação de interesse

oposto ao autoritarismo e a consagração de garantias a favor da liberdade

individual, cujo fundamento está na dignidade da pessoa humana e tem como um

de seus vetores o princípio da presunção de inocência, esculpido no artigo 5º, LVII,

da CF e nos Pactos Internacionais dos quais o Brasil é signatário, impôs-se efetiva

mudança na mentalidade dos operadores do Direito. Agora, a regra é a liberdade, a

prisão é uma exceção, cujo fundamento decorre de sentença penal condenatória

transitada em julgado, ou de uma razão de cautela que comprove a necessidade de

sua decretação no curso do inquérito ou do processo criminal.

Reconhece-se então, a necessidade de uma releitura de várias normas dispostas no

antigo Código de Processo Penal Brasileiro, para adequá-las ao atual paradigma

constitucional.

Neste contexto, é que surge a necessidade de (re)discutir-se o conceito de

"garantia da ordem pública", para delimitar sua aplicação como fundamento de um

decreto de prisão preventiva, pois, o seu conceito que sempre foi de difícil

interpretação, dando margem a arbitrariedades, esbarra em postulados

constitucionais, devendo-se verificar até mesmo sua natureza jurídica, para saber

se a luz destes postulados pode ser considerada uma verdadeira razão de cautela.

NATUREZA JURÍDICA DA "GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA"

Entre os juristas brasileiros que se insurgiram contra a prisão preventiva com

fundamento na "garantia da ordem pública", destaca-se Gomes Filho (1991), que

demonstrou-nos não possuir a idéia de "ordem pública" caráter instrumental

relacionado com os meios e fins do processo, veja-se:

À ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento

provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente

ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de

defesa social; fala-se, então, em "exemplaridade", no sentido de imediata reação

ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou,

ainda, em prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos

crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente

propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a possível ocorrência de outras,

relacionadas à supressão de provas ou dirigidas contra a própria pessoa do

acusado. (GOMES FILHO, 1991, p. 67-68)

Delmanto Júnior (1998), comentando a decretação da prisão preventiva com base

na garantia da ordem pública, considera

ser indisfarçável que nesses termos a prisão preventiva se distancia de seu caráter

instrumental – de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu

resultado – ínsito a toda e qualquer medida cautelar, servindo de instrumento de

justiça sumária, vingança social etc. (DELMANTO JUNIOR, 1998, p.156)

Assim, dúvida não resta que falta à prisão preventiva decretada com base na

"garantia da ordem pública" caráter instrumental inerente a toda medida cautelar,

pois, esta visa assegurar os meios e os fins do processo, ao passo que na "ordem

pública" não se vislumbra este caráter, não possuindo tal expressão limites rígidos

para a sua definição, dando azo ao arbítrio e a casuísmos na restrição da liberdade.

O apelo à forma genérica e retórica da "garantia da ordem pública" representa a

possibilidade de superação dos limites impostos pelo princípio da legalidade estrita,

propiciando um amplo poder discricionário ao juiz com "uma destinação bastante

clara: a de fazer prevalecer o interesse da repressão em detrimento dos direitos e

garantias individuais". (GOMES FILHO, 1991, p. 66)

INTERPRETAÇÕES DADAS À "GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA"

A "garantia da ordem pública" será chamada a socorrer diversas interpretações a

ela dada, com os mais diversos fins, havendo principalmente na jurisprudência,

enorme casuísmo no trato da matéria, conduzindo a interpretações as mais

variadas, o que gera uma insuportável insegurança jurídica no trato de tema tão

importante, qual seja, a privação da liberdade antes do trânsito em julgado de

sentença penal condenatória.

Do resgate das expressões utilizadas para dar significado à "garantia da ordem

pública", constata-se que as mesmas são em verdade fórmulas vazias e sem

conteúdo processual, como por exemplo, a ‘potencialidade lesiva do crime’ ou

‘gravidade do delito’, a ‘preservação da credibilidade na Justiça’, a ‘periculosidade

do agente’ ou ‘reiteração criminosa’, o ‘clamor público’, entre outras presentes na

jurisprudência (1).

A ‘potencialidade lesiva’ ou ‘gravidade do delito’, ao nosso ver, não poderá servir de

base para a manutenção da prisão de alguém, afinal, isto por si só não enseja a

custódia do agente, uma vez que não mais existe prisão preventiva obrigatória para

crimes graves na legislação brasileira, devendo-se demonstrar no caso concreto,

quais elementos indicam o periculum libertatis. Veja-se a orientação do Supremo

Tribunal Federal:

"A gravidade do crime imputado ao réu, por si só, não é motivo suficiente para a

prisão preventiva". STF, HC. nº 67.850-5 (2).

O argumento de que a necessidade de ‘preservação da credibilidade na justiça’

pode acarretar a prisão para "garantia da ordem pública", é dos que mais atenta

contra os princípios processuais penais cautelares, pois, "a prisão preventiva não

pode ser instrumento da ação judicial para servir a essa pobreza cultural que exige

cadeia imediatamente para todo e qualquer acusado..." (3). A via da ‘exemplaridade’

e da ‘satisfação do sentimento de justiça’, não são fundamentações coerentes para

a prisão preventiva, pois, tratam-se de aplicação de uma justiça sumária, que viola

o devido processo legal e a presunção de não-culpabilidade.

O argumento relativo à ‘periculosidade do agente’, que visa fundamentar a prisão

preventiva para que o agente não ‘volte a delinqüir’, não ‘prossiga na reiteração

criminosa’ ou não ‘consume um crime tentado’, acarreta verdadeira presunção de

culpabilidade, conforme Delmanto Junior

Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o

fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo,

em dupla presunção: a primeira, de que o imputado realmente cometeu um delito;

a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro

crime ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado. (...) Com a

referida presunção de reiteração, restariam violadas, portanto, as garantias

constitucionais da desconsideração prévia de culpabilidade (Constituição da

República, art. 5º, LVII) e da presunção de inocência (Constituição da República,

art. 5º, § 2º, c/c os arts. 14, 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos, e 8º, 2, 1ª parte, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

(DELMANTO JUNIOR, 1998, p. 152-153)

Afirma ainda o autor que neste caso, a prisão preventiva perde seu caráter cautelar

de tutela da efetividade do processo transformando-se em meio de prevenção

especial e geral, fins exclusivos da sanção penal, configurando verdadeira punição

antecipada. (DELMANTO JUNIOR, 1998, p. 165)

No mesmo sentido é a opinião de Almeida (2003) e Lopes Júnior (2005) ao

considerar que manter "uma pessoa presa em nome da ordem pública, diante da

reiteração de delitos e o risco de novas práticas, está se atendendo não ao

processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia

ao objeto e fundamento do processo penal" (LOPES JÚNIOR, 2005, p. 203).

Também é amplamente contestado talvez seja esta a fórmula mais criticada,

ventilar que o ‘clamor público’ pode fundamentar a prisão preventiva. Isto, pois,

‘ordem pública’ e ‘clamor público’ são coisas distintas e este não implica

necessariamente naquele. Ademais, na maioria dos casos concretos, não se

vislumbra qualquer alteração excepcional no bojo social, que não seja a decorrente

de qualquer delito que se cometa. Conforme Lopes Júnior,

é inconstitucional atribuir à prisão cautelar a função de controlar o alarma social, e

por mais respeitáveis que sejam os sentimentos de vingança, nem a prisão

preventiva pode servir como pena antecipada e fins de prevenção, nem o Estado,

enquanto reserva ética, pode assumir papel vingativo. (LOPES JUNIOR, 2005, p.

206)

CONCLUSÕES

1. A "garantia da ordem pública" não possui caráter cautelar propriamente dito,

tendo na verdade finalidades que ora são meta processuais, ora são exclusivas das

penas.

2. As interpretações dadas à expressão "garantia da ordem pública" são violadoras

do princípio da presunção de inocência, pois, ou desconsideram a avaliação da

necessidade da medida, ou se fundam em presunções e antecipações do juízo de

culpabilidade.

3. Devemos na interpretação e aplicação das medidas cautelares, nos libertarmos

dos resquícios do autoritarismo e assimilarmos a nova orientação constitucional,

lembrando-nos sempre que, dentro deste novo paradigma, os fins nunca podem

justificar os meios.

4. PORPOSIÇÃO: Não sendo a "garantia da ordem pública" uma Razão de Cautela

propriamente dita, a mesma não deve ser suficiente à decretação da prisão

preventiva, só podendo ser decretada a prisão em um caso concreto, quando existir

um fundamento de natureza realmente cautelar, que demonstre risco à efetividade

do processo.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Gabriel Bertin de. Afinal quando é possível a decretação da prisão

preventiva para garantia da ordem pública? Revista Brasileira de Ciências

Criminais. São Paulo, v. 44, p. 71-85, 2003.

CHOUKR, Fauzi Hasson. A "ordem pública" como fundamento da prisão cautelar –

uma visão jurisprudencial. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo,

v. 4, p. 89-93, 1993.

DELMANTO JUNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo

de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar.

São Paulo: Saraiva, 1991.

LOPES JUNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal – fundamentos da

instrumentalidade garantista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

NOTAS

01 CHOUKR, Fauzi Hasson. A "ordem pública" como fundamento da prisão cautealar

– uma visão jurisprudencial. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São

Paulo, v.4, p. 89-93, 1993.

02 Neste mesmo sentido temos ainda o HC 65.950, HC 76.730 e HC 79.204, dentre

outros, todos do STF.

03 Min. Edson Vidigal, STJ, RHC nº 2.725-7.

Investigação direta pelo Ministério Público

“RECURSO. Extraordinário. Ministério Público. Poderes de investigação. Questão da ofensa aos arts. 5º, incs. LIV e LV, 129 e 144, da Constituição Federal. Relevância. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão de constitucionalidade, ou não, da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público.”
(RE 593727, Relator Ministro Cezar Peluso, julg. 27/08/2009)

Mora injustificada do Poder Judiciário e coação ilegal

“HABEAS CORPUS – PRISÃO PROVISÓRIA – FALTA EXAME DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA – OMISSÃO ABUSIVA E INJUSTIFICADA – DECISÃO QUE SE EQUIPARA AO INDEFERIMENTO IMOTIVADO – PRONUNCIAMENTO DO TRIBUNAL – AUSÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – ORDEM CONCEDIDA. A mora injustificada e abusiva do Poder Judiciário em examinar o pleito liminar, em virtude de questões processuais que não impediram o recebimento da denúncia e o seguimento do feito, equipara-se a uma decisão de indeferimento do pleito sem fundamentação, justificadora da concessão da liberdade provisória, inexistindo, in casu, supressão de instância. Ordem concedida."
(TJMG – HC 1.0000.08.473799-8/000 – 5ª Câmara Criminal – Relator do Acórdão Alexandre Victor de Carvalho)

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Fundamentação das Decisões Judiciais

“A garantia constitucional estatuída no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal segundo a qual todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, é exigência inerente ao Estado Democrático de Direito e, por tanto, é instrumento para viabilizar o controle das decisões judiciais e assegurar o exercício do direito de defesa. A decisão judicial não é um ato autoritário, um ato que nasce do arbítrio do julgador, daí a necessidade da sua apropriada fundamentação”.
Min. Menezes Direito, STF, RE nº 540.995/RJ

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Livro e artigos de Direito e Processo Penal

No site http://www.brunocesaradvocacia.com.br/ estão as publicações dos integrantes do Escritório Bruno César Advocacia.
Bom proveito!

Clamor Público e Prisão Preventiva

“...a prisão preventiva não pode ser instrumento da ação judicial para servir a essa pobreza cultural que exige cadeia imediatamente para todo e qualquer acusado...”
Min. Edson Vidigal, STJ, RHC nº 2.725-7, DJU 07.06.93