segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Denúncia anônima não pode servir de base exclusiva para ação penal - STJ

Fonte: Notícias do STJ
28/11/2010 - 10h00
ESPECIAL
Denúncia anônima não pode servir de base exclusiva para ação penal
A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veda o embasamento de ação penal exclusivamente em denúncia anônima.

Um dos julgados representativos desse entendimento foi relatado pelo atual presidente do STJ, ministro Ari Pargendler. Em 2004, a Corte Especial decidiu, por unanimidade, que carta anônima não poderia levar à movimentação da polícia e do Judiciário, em respeito à vedação do anonimato prevista na Constituição Federal.

À época, acompanharam o relator os ministros José Delgado, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Jorge Scartezzini, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto, Luiz Fux, Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros e Cesar Asfor Rocha. Os ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Francisco Falcão, Antônio de Pádua Ribeiro e Edson Vidigal não participaram do julgamento.

Em voto separado nesse precedente, o ministro José Delgado registrava que uma denúncia sem qualquer fundamento pode caracterizar, em si mesma, o crime de denunciação caluniosa. Por isso, dar espaço para instalação de inquéritos com base em cartas anônimas abriria precedente “profundamente perigoso”.

Essa jurisprudência segue a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF), de que é exemplo o voto do ministro Marco Aurélio Mello proferido no HC 84.827, que se voltava contra notícia-crime instaurada no STJ envolvendo desembargadores e juiz estadual, com base em denúncia anônima.

Nesse julgado, o Ministério Público Federal (MPF) sustentava razões de política criminal e fazia menção ao sistema de “disque-denúncia”. Para o MPF, a denúncia apócrifa estaria conforme o ordenamento jurídico, e sua apuração atenderia o interesse público voltado à preservação da moralidade.

Mas o relator do caso no STF afirmou que admitir a instauração da investigação com base exclusivamente em denúncia anônima daria guarida a uma prática atentatória contra a vida democrática e a segurança jurídica, incentivando a repetição do procedimento e inaugurando uma época de terror, “em que a honra das pessoas ficará ao sabor de paixões condenáveis, não tendo elas meios de incriminar aquele que venha a implementar verdadeira calúnia”.

O interesse público prevalecente, na hipótese, seria o de preservar a imagem dos cidadãos. O voto foi acompanhado por três dos outros quatro ministros que compunham a Primeira Turma do Supremo, à época: Eros Grau, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. O precedente ainda é seguido pela Corte.

Duas mil folhas
No STJ, após o precedente relatado pelo ministro Ari Pargendler, houve manifestações, em sentido idêntico, do ministro Peçanha Martins, ainda em 2004, e do ministro Nilson Naves, no ano seguinte. Neste último caso, a investigação havia sido iniciada em 2002 e já contava com mais de 1,9 mil páginas. Ainda assim, por ter sido inaugurada com base em denúncia anônima, a Corte Especial entendeu pelo arquivamento da notícia-crime.

Concluiu o ministro Nilson Naves em seu voto: “Posto que aqui haja mais de 1.900 folhas, trata-se, contudo, de natimorta notícia; daí, à vista do exposto, proponho, em questão de ordem, o arquivamento destes autos, simplesmente. Proponho o arquivamento em defesa da nossa ordem jurídica.”

Mais recentemente, a Corte Especial voltou a se manifestar pela impossibilidade de investigação embasada em denúncia anônima. Em questão de ordem julgada em 2009, o relator, ministro Nilson Naves, citou várias decisões convergentes com esse entendimento.

“Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência anônima, as aqui feitas tiveram início, então, repletas de nódoas, melhor dizendo, nasceram mortas ou, tendo vindo à luz com sinais de vida, logo morreram”, afirma um dos precedentes citados nessa decisão. Outro define: “O STJ não pode ordenar a instauração de sindicância, a respeito de autoridades sujeitas a sua jurisdição penal, com base em carta anônima”. Um terceiro reitera: “Havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida”.

Outras provas
O STJ apenas não veda a coleta de provas dos fatos narrados em denúncia anônima. É o que ressalta o voto do ministro Teori Albino Zavascki, na Ação Penal 300, julgada em 2007. “A jurisprudência do STJ e do STF é unânime em repudiar a notícia-crime veiculada por meio de denúncia anônima, considerando que ela não é meio hábil para sustentar, por si só, a instauração de inquérito policial ou de procedimentos investigatórios no âmbito dos tribunais”, afirmou.

Porém, no caso analisado, a investigação já estava em andamento e os fatos narrados em carta anônima foram apurados em conjunto com os demais elementos de prova em exame pela Receita Federal, oriundos de busca e apreensão determinada anteriormente. Para o relator, nesse contexto os escritos anônimos mencionados não tiveram relevo probatório autônomo, apenas servindo para orientar uma das linhas de investigação.

“As investigações empreendidas culminaram na reunião de um conjunto de elementos indiciários, formado, principalmente, por elementos que possuem valor documental, tais como extratos bancários, cheques, dados fiscais. A análise pericial procedida pela Receita Federal sobre esse conjunto de elementos indiciários e descrita no mencionado relatório constitui elemento hábil a compor o conjunto probatório que fundamenta o juízo de recebimento da denúncia”, completou o relator.

O ministro Teori Zavascki citou entendimento do Supremo no Inquérito 1.957 para reforçar sua decisão. Nesse processo, o voto do ministro Celso de Mello, por sua vez, citava entre outras doutrinas e jurisprudências a decisão da Corte Especial do STJ no Inquérito 355: “Daí a advertência consubstanciada em julgamento emanado da egrégia Corte Especial do STJ, em que pese a que esse Alto Tribunal, ao pronunciar-se sobre o tema em exame, deixou consignado, com absoluta correção, que o procedimento investigatório não pode ser instaurado com base, unicamente, em escrito anônimo, que venha a constituir, ele próprio, a peça inaugural da investigação promovida pela polícia judiciária ou pelo Ministério Público”.

O ministro Sepúlveda Pertence, no mesmo processo, também ressalvou que, apesar de não poder servir de base de prova ou elemento de informação para a persecução criminal, a delação anônima não isenta a autoridade que a receba de apurar sua verossimilhança ou veracidade e, em consequência, instalar o procedimento investigatório.

O STF decidiu, vencido o ministro Marco Aurélio, que a investigação poderia existir no caso concreto, já que a denúncia anônima não teria servido de base exclusiva ou determinante para a investigação. E o STJ também julga nessa linha, como no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 23.709, no Habeas Corpus 53.703 ou no Habeas Corpus 106.040.

Já no HC 64.096, a Quinta Turma do STJ repetiu o entendimento, sem ressalvas, vedando o uso de interceptação telefônica para apuração de crime narrado em denúncia anônima. Afirma o voto do ministro Arnaldo Esteves Lima, proferido em 2008: “Não se pode olvidar que as notícias-crime levadas ao conhecimento do Estado sob o manto do anonimato têm auxiliado de forma significativa na repressão ao crime. Essa, inclusive, é a razão pela qual os órgãos de Segurança Pública mantêm um serviço para colher esses comunicados, conhecido popularmente como ‘disque-denúncia’.”

“Dessa forma”, segue o voto, “considerando que compete à polícia judiciária investigar as infrações penais que lhe são noticiadas, a fim de apurar a materialidade e a autoria delitivas, não há por que obstar a realização desse ofício apenas pelo anonimato da comunicação, sobretudo quando esta contém narrativa pormenorizada que lhe empresta certa credibilidade.”

“Não obstante, embora apta para justificar a instauração do inquérito policial, a denúncia anônima não é suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico”, pondera o relator. “Note-se, porém, do procedimento criminal, que todas as demais provas surgem a partir da escuta telefônica inicial. Ela dá suporte às quebras de sigilo fiscal e à localização de testemunhas ou bens. Em verdade, toda a investigação criminal deriva daquela prova ilícita inicial, aplicando-se daí a contaminação das demais provas obtidas naquele feito investigatório”, completa.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Da imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”

Da imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”

Bruno César Gonçalves da Silva

Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-Minas; Professor de Processo Penal na Pós-Graduação em Ciências Penais da Faculdade de Direito Milton Campos e na Pós-Graduação em Direito Processual do IEC PUC-Minas.

Na atual redação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, determinada pela Lei 11.705/08, tem-se a descrição com clareza, rigor e taxatividade, em observância ao mandato constitucional da lex certe, dos pressupostos da incriminação penal em caso de embriaguez ao volante, constando da referida norma todos os elementos constitutivos do tipo, restando explicitado no caput do artigo o elemento descritivo “estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”.
Tem-se, portanto, que o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro é explícito e taxativo ao fixar a concentração igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool “por litro de sangue”, como elementar típica imprescindível à configuração da infração penal.
Pois bem, no parágrafo único do artigo em análise, há previsão para que o Poder Executivo estipule “a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo”. Ou seja, estipulará a equivalência entre os testes capazes de comprovar a concentração de álcool “por litro de sangue”.
Com a publicação do Decreto n° 6.488/08, fixou-se o seguinte parâmetro de equivalência: “art. 2. Para os efeitos criminais de que trata o art. 306 da Lei n° 9.503, de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte: I – exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou II – teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.”
Para fins de preenchimento da elementar típica do artigo 306 do CTB, o que resta bastante óbvio, é que o único teste com idoneidade para fins penais é o exame de sangue, disciplinado no inciso I, do artigo 2°, do Decreto n° 6.488/08, pois o crime só se configurará com a comprovação de concentração igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool “por litro de sangue” do condutor do veículo.
Já o etilômetro (bafômetro), não se configura em meio de prova hábil a comprovar e aquilatar a concentração de álcool “por litro de sangue”, “pois, nos termos da própria regulamentação, o etilômetro utiliza meio e medida diversos ao analisar a quantidade de álcool por litro de ar expelido dos pulmãoes do condutor.[1]
Data venia, tratam-se de coisas absolutamente distintas, pois álcool no sangue é uma coisa e álcool no ar expelido dos pulmões é outra!
Assim, uma vez que o tipo penal do artigo 306 do CTB é taxativo ao fixar que o crime somente se configura com concentração igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool “por litro de sangue” do condutor do veículo e que a prova de tal elementar típica, por questões óbvias, somente pode ser feita através do exame do sangue daquele, impossível a responsabilização penal através do teste por aparelho que mede o ar expelido dos pulmões, já que, mediante escrupulosa observação do Princípio Constitucional da Reserva Legal, não se pode equiparar, por analogia in malam partem, concentração de álcool “por litro de sangue” com concentração de álcool “por litro de ar expelido dos pulmões”.
O parágrafo único do artigo 306 do CTB fala na equivalência entre os distintos testes de alcoolemia, mas estes “distintos teste de alcoolemia” tem, todos eles, que serem aptos a comprovar a concentração de álcool “por litro de sangue” para que possam obter elementos de provas idôneos a comprovar o preenchimento da elementar típica, pois se o teste for capaz apenas de comprovar a concentração de álcool “por litro de ar expelido dos pulmões”, circunstância inexistente no tipo penal em análise, o mesmo servirá como prova apenas na esfera extra-penal.
Admitir o contrário, ou seja, tomar a comprovação da concentração de álcool “por litro de ar expelido dos pulmões” como análoga à comprovação da concentração de álcool “por litro de sangue”, é aceitar o emprego da analogia in malam partem no Direito Penal para os fins de tipificar uma conduta, em arrepio ao Princípio da estrita Reserva Legal, pois, em matéria penal, “a norma tem um limite linguisticamente insuperável, que é a máxima capacidade da palavra”[2] .
Sabe-se que no cotidiano forense a presente abordagem acerca da violação ao Princípio da Reserva Legal tem passado despercebida pela grande maioria dos Operadores do Direito, realizando-se juízos de tipicidade da conduta de embriaguez ao volante com base no mero “teste do bafômetro”, sem se dar conta de que nestes casos a Teoria da Norma Penal está sendo completamente violada.
Os problemas decorrentes do consumo do álcool entre condutores de veículos são vários e tais problemas geram elevados custos sociais e conseqüências para os acidentados. Mas tais problemas, que merecem uma abordagem e tratamento multidisciplinar, não podem ser justificativa para a burla ao sistema de Princípios e Garantias Penais consagrados na Constituição Federal.
A burla ao Princípio da Reserva Legal proposta pelo artigo 2º, do Decreto n° 6.488/08, reflete um utilitarismo penal, de todo inaceitável. A necessária observância da taxatividade, da vedação da analogia in malam partem, e da interpretação restritivas dos tipos penais, impede que o elemento de prova obtido através do etilômetro – concentração de álcool expelido por litro de ar dos pulmões – sirva para tipificar um comportamento que exige no preceito primário da norma incriminadora prova da elementar descritiva “concentração de álcool por litro de sangue” do condutor.
Deste modo, tem-se a imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”.
Referências bibliográficas:
PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. O crime de embriaguez ao volante e o “bafômetro”: algumas observações. in: Boletim IBCCRIM, ano 16, n° 189, agosto de 2008.
ZAFFARONI, Eugênio Raul, BATISTA, Nilo, ALGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Braileiro – vol I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
[1] PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. O crime de embriaguez ao volante e o “bafômetro”: algumas observações. in: Boletim IBCCRIM, ano 16, n° 189, agosto de 2008, p. 16.
[2] ZAFFARONI, Eugênio Raul, BATISTA, Nilo, ALGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Braileiro – vol I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 209.

SILVA, Bruno César Gonçalves da. "Da imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”". disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ausência de fundamentação do indeferimento da Liberdade Provisória - Ordem Concedida

Fonte: Informativo 608 do STF
Tráfico de drogas: liberdade provisória e ausência de fundamentação
A 1ª Turma concedeu habeas corpus a preso em flagrante por tráfico de entorpecentes para que aguarde em liberdade o trânsito em julgado da ação penal. Salientou-se que, não obstante a jurisprudência majoritária desta Corte no sentido de não caber liberdade provisória em tal crime, o caso concreto revelaria excepcionalidade a justificar a concessão. Explicou-se que o paciente obtivera a liberdade provisória em liminar deferida no writ impetrado no tribunal de justiça estadual. Consignou-se que, no julgamento de mérito daquele habeas corpus, a decisão por meio da qual fora determinada sua prisão preventiva ocorrera sem quaisquer dos fundamentos do art. 312 do CPP. Salientou-se, no ponto, a orientação firmada pelo Supremo segundo a qual a execução provisória da pena, ausente a justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da presunção de inocência. Ressaltou-se, também, que, durante o período em que estivera solto, o paciente comparecera aos atos. Concluiu-se, dessa forma, que, se ele estivera em liberdade durante certo tempo, poderia assim permanecer até o trânsito em julgado.
HC 99717/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.11.2010. (HC-99717)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

2ª Turma anula processo em que réu preso não foi levado ao depoimento de testemunha de acusação

Fonte: Notícias do STF
Terça-feira, 16 de novembro de 2010
2ª Turma anula processo em que réu preso não foi levado ao depoimento de testemunha de acusação
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal reconheceu a ocorrência de nulidade processual absoluta no processo criminal que resultou na condenação do serigrafista Ednaldo Faria Ferreira a 20 anos e seis meses de prisão por latrocínio (roubo seguido de morte), ocorrido em Duque de Caxias (RJ). Em consequência da decisão, o processo foi anulado a partir do depoimento da única testemunha de acusação. No Habeas Corpus (HC 95106), a defesa do serigrafista sustentou que o fato dele não ter sido intimado do depoimento da testemunha teria cerceado seu direito à ampla defesa e ao contraditório.
Na sessão desta tarde, o julgamento do HC foi retomado pelo ministro Gilmar Mendes, que, após as considerações do ministro Celso de Mello, reconheceu, no caso concreto, a ocorrência da nulidade alegada. Mendes afirmou que a questão relativa à necessidade de presença do réu nas audiências ainda é controversa no STF, sendo a jurisprudência majoritária da Corte no sentido da sua desnecessidade. 
O decano do STF, ministro Celso de Mello, fez uma defesa veemente da necessidade de se assegurar ao réu preso o direito de comparecimento na audiência de inquirição de testemunhas. “O Estado tem o dever de assegurar ao réu preso o exercício pleno do direito de defesa. O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, o direito de assistir e o direito de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza sempre sob a égide do contraditório”, afirmou.
Para o ministro, "as costumeiras alegações" do Poder Público quanto às dificuldades ou às inconveniências de se remover os acusados presos a outros pontos do Estado ou do País não devem ser aceitas. “Razões de mera conveniência administrativa não têm nem podem ter precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição: o direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do devido processo legal”, afirmou Celso de Mello, admitindo que esse direito pode ser assegurado por meio de videoconferência.    
O ministro Celso de Mello salientou que o direito de o réu comparecer à audiência consta não só da Convenção Americana de Direitos Humanos, como também do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. “Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos”, afirmou.
VP/AL
Leia mais:
03/07/2008 - STF nega pedido de liberdade a serigrafista condenado por roubo seguido de morte
26/06/2008 - Serigrafista pede HC por ausência de garantias constitucionais na ação penal em que foi réu

Processos relacionados
HC 95106

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Delitos Societários - Acusação Genérica – Inadmissibilidade (Transcrições) (HC 105953 MC/SP) STF

Delitos Societários - Acusação Genérica – Inadmissibilidade (Transcrições)

(HC 105953 MC/SP)*

RELATOR: Min. Celso de Mello

EMENTA: CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. IMPUTAÇÃO PENAL DEDUZIDA CONTRA SÓCIOS DA EMPRESA. ACUSAÇÃO QUE DEVE NARRAR, DE MODO INDIVIDUALIZADO, A CONDUTA ESPECÍFICA QUE VINCULA CADA SÓCIO AO EVENTO SUPOSTAMENTE DELITUOSO. A QUESTÃO DOS DELITOS SOCIETÁRIOS E A INADMISSÍVEL FORMULAÇÃO DE ACUSAÇÕES GENÉRICAS. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
- A invocação da condição de sócio e/ou de administrador de organização empresarial, sem a correspondente e individualizada descrição de determinada conduta típica que os vincule, de modo concreto, ao evento alegadamente delituoso, não se revela fator suficiente apto a justificar, nos delitos societários, a formulação de acusação estatal genérica ou a prolação de sentença penal condenatória. Precedentes (STF).

DECISÃO: O E. Superior Tribunal de Justiça, ao denegar a ordem de “habeas corpus” impetrada em favor dos ora pacientes, reconheceu o acerto do acórdão emanado do E. TRF/3ª Região, no ponto em que a Corte regional enfatizou que “(...) o fato de a denúncia imputar a todos os co-réus, sócios da mesma empresa, idêntica conduta, não o fazendo de forma individualizada, não a torna inepta”, pois, “(...) tratando-se de crime societário, como o do artigo 1º da Lei 8.137/90, não se pode exigir que o órgão de acusação tenha, no momento de oferecimento da denúncia, condições de individualizar a conduta de cada co-réu, eis que tal participação somente será delineada ao cabo da instrução criminal”, motivo pelo qual “(...) a jurisprudência tem admitido, nos crimes societários, a mitigação dos requisitos da inicial acusatória, não se impondo a narração pormenorizada da conduta de cada um dos agentes (...)”(grifei).
A presente impetração, ao sustentar a ocorrência de injusto constrangimento ao “status libertatis” dos ora pacientes, apóia-se na alegação de inépcia formal da denúncia e de transgressão, por parte do Ministério Público, às garantias constitucionais que asseguram, a qualquer pessoa sob persecução penal do Estado, a plenitude do direito de defesa e a presunção de inocência, eis que, quanto a esta prerrogativa, incumbe, a quem acusa, o ônus de provar, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do agente.
Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de tutela cautelar ora deduzido nesta sede processual.
Tenho enfatizado, em diversos julgamentos proferidos no Supremo Tribunal Federal, que a denúncia deve descrever, de modo objetivo e individualizado, a conduta delituosa atribuída aos sócios e/ou administradores das empresas.
Mesmo que se trate do denominado reato societario”, a participação individual de cada sócio (ou administrador) na suposta prática delituosa, alegadamente cometida por intermédio de organização empresarial, de resultar de narração individualizada contida na peça acusatória (RTJ 163/268-269 - RTJ 165/877-878).
É que não basta, para satisfazer-se a exigência constitucional do devido processo legal, que o Ministério Público, ao deduzir imputação penal contra alguém, descreva-lhe, de modo genérico, a respectiva conduta, sob o argumento de que a responsabilidade do acusado, na prática de delitos societários, resulta do fato de ostentar a condição de sócio, de administrador ou de representante da empresa (RTJ 163/268-269, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal tem advertido que a circunstância de alguém meramente ostentar a condição de sócio ou de dirigente de uma empresa não pode justificar, só por si, a formulação, pelo Estado, de qualquer juízo acusatório fundado numa inaceitável presunção de culpa:

SÓCIA QUOTISTA MINORITÁRIA QUE NÃO EXERCE FUNÇÕES GERENCIAIS - NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DE DETERMINADO COMPORTAMENTO TÍPICO QUE VINCULE O SÓCIO AO RESULTADO CRIMINOSO.
.........................................................
A mera invocação da condição de quotista, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos delitos societários, fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.”
(HC 89.427/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

A formulação de acusações genéricas, em delitos societários, culmina por consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas conseqüências que daí podem resultar, consoante adverte, em precisa abordagem do tema, o ilustre Advogado paulista Dr. RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGÃO (“Denúncias Genéricas em Crime de Sonegação Fiscal”, “in” Justiça e Democracia, vol. 1/207-211, 210-211, 1996, RT):

Se há compromisso da lei com a culpabilidade, não se admite responsabilidade objetiva, decorrente da imputação genérica, que não permite ao acusado conhecer se houve e qual a medida da sua participação no fato, para poder se defender.
Desconhecendo o teor preciso da acusação, o defensor não terá como orientar o interrogatório, a defesa prévia e o requerimento de provas, bem assim não terá como avaliar eventual colidência de defesas entre a do seu constituinte e a do co-réu. O acusado será obrigado a fazer prova negativa de que não praticou o crime, assumindo o ônus da prova que é do Ministério Público, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência.
A  denúncia genérica, nos crimes de sonegação fiscal, impossibilita a ampla defesa e, por isso, não pode ser admitida.” (grifei).

Daí a objeção exposta pelo saudoso Ministro ASSIS TOLEDO, para quem Ser acionista ou membro do conselho consultivo da empresa não é crime. Logo, a invocação dessa condição, sem a descrição de condutas específicas que vinculem cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar a denúncia” (RT 715/526 - grifei).
Vale ressaltar que esse entendimento tem merecido o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (HC 80.549/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM - HC 85.948/PA, Rel. Min.AYRES BRITTO – RHC 85.658/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.427/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

“‘HABEAS CORPUS’ - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL RESPONSABILIDADE PENAL DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - LEI 7.492/86 (ART. 17) - DENÚNCIA QUE NÃO ATRIBUI COMPORTAMENTO ESPECÍFICO E INDIVIDUALIZADO AOS DIRETORES DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA - INEXISTÊNCIA, OUTROSSIM, DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS QUE VINCULEM OS PACIENTES AO EVENTO DELITUOSO - INÉPCIA DA DENÚNCIA - PEDIDO DEFERIDO.
PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO - OBRIGAÇÃO DE O MINISTÉRIO PÚBLICO FORMULAR DENÚNCIA JURIDICAMENTE APTA.
- O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático – impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado ‘reato societario’, a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa.
- O ordenamento positivo brasileiro – cujos fundamentos repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e no princípio constitucional do ‘due process of law’ (com todos os consectários que dele resultam) – repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes.
A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA.
- A denúncia deve conter a exposição do fato delituoso, descrito em toda a sua essência e narrado com todas as suas circunstâncias fundamentais. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura, ao réu, o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que deixa de estabelecer a necessária vinculação da conduta individual de cada agente aos eventos delituosos qualifica-se como denúncia inepta. Precedentes.
DELITOS CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL PEÇA ACUSATÓRIA QUE NÃO DESCREVE, QUANTO AOS DIRETORES DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUALQUER CONDUTA ESPECÍFICA QUE OS VINCULE, CONCRETAMENTE, AOS EVENTOS DELITUOSOS INÉPCIA DA DENÚNCIA.
- A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.
- A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente, por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal.
- Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macro­delinqüência ou caracterizadoras de delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (‘nullum crimen sine culpa’), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do ‘versari in re illicita’, banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes.
AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA.
- Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.
- Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.
- Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu.
Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.
(HC 84.580/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

1. ‘Habeas Corpus’. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei no 7.492, de 1986). Crime societário. 2. Alegada inépcia da denúncia, por ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. 3. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC nº 86.294-SP, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 03.02.2006; HC nº 85.579-MA, 2ª Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24.05.2005; HC nº 80.812-PA, 2ª Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC nº 73.903-CE, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC nº 74.791-RJ, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 4. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 5. Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). Precedentes: HC 73.590-SP, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC 70.763-DF, 1ª Turma,unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994.  6. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta do paciente. 7. ‘Habeas corpus’ deferido.”
(HC 86.879/SP, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES -grifei)

“1. AÇÃO PENAL. Denúncia. Deficiência. Omissão dos comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias constitucionais do devido processo legal (‘due process of law’). Nulidade absoluta e insanável. Superveniência da sentença condenatória. Irrelevância. Preclusão temporal inocorrente. Conhecimento da argüição em HC. Aplicação do art. 5º, incs. LIV e LV, da CF. Votos vencidos. A denúncia que, eivada de narração deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão.
2. AÇÃO PENAL. Delitos contra o sistema financeiro nacional. Crimes ditos societários. Tipos previstos nos arts. 21, § único, e 22, ‘caput’, da Lei 7.492/86. Denúncia genérica. Peça que omite a descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim. Extensão da ordem ao co-réu. Inteligência do art. 5º, incs. XLV e XLVI, da CF, dos arts. 13, 18, 20 e 26 do CP e 25 da Lei 7.492/86. Aplicação do art. 41 do CPP. Votos vencidos. No caso de crime contra o sistema financeiro nacional ou de outro dito crime societário’, é inepta a denúncia genérica, que omite descrição de comportamento típico e sua atribuição a autor individualizado, na condição de diretor ou administrador de empresa.”
(HC 83.301/RS, Rel. p/ o acórdão Min. CEZAR PELUSO -grifei)

“‘HABEAS CORPUS’. DENÚNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NÃO PREENCHIDOS.
1 - A técnica da denúncia (art. 41 do Código de Processo Penal) tem merecido reflexão no plano da dogmática constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes.
2 - Denúncias genéricas, que não descrevem os fatos na sua devida conformação, não se coadunam com os postulados básicos do Estado de Direito.
3 - Violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo. Necessidade de rigor e prudência daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.
4 - Ordem deferida, por maioria, para trancar a ação penal.”
(RTJ 195/126, Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei)

Essa, portanto, é a orientação que tem prevalecido, nesta Suprema Corte, em tema de persecução penal instaurada por suposta prática de delitos societários.
Cabe verificar, nesta fase, em juízo de sumária cognição, se a denúncia oferecida contra os ora pacientes satisfaz, ou não, os critérios que a jurisprudência constitucional desta Corte consagrou no tema em causa.
Tenho para mim, em juízo de estrita delibação, que a peça acusatória em questão, considerados os termos dela constantes, não se mostra, aparentemente, em harmonia com referida diretriz jurisprudencial.
Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o curso do Processo-crime nº 2005.61.19.006525-3, instaurado, contra os ora pacientes, perante a 2ª Vara Federal da 19ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo (Guarulhos).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da
presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 148.979/SP), ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (HC 2009.03.00.017540-8/SP) e ao Senhor Juiz Federal da 2ª Vara Federal de Guarulhos/SP (Processo-crime nº 2005.61.19.006525-3).
Publique-se.
Brasília, 05 de novembro de 2010.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

*decisão publicada no DJe de 11.11.2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Juiz Inquisidor - Impossibilidade - STJ - HC 122.059

STJ - HC 122.059

REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO POR JUIZ DURANTE A FASE INQUISITÓRIA, ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. IMPEDIMENTO DO MAGISTRADO. NULIDADE DOS ATOS. CORREIÇÃO PARCIAL. DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RHC Nº 23.945. PREVALÊNCIA. 1. Havendo decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto ao impedimento do Juiz e à validade dos atos por ele praticados, é esse acórdão que deve prevalecer, e não o que foi proferido pelo Tribunal de origem em correição parcial. 2. Quando do julgamento do RHC nº 23.945/SP, foram declarados nulos, além dos atos decisórios, toda a instrução processual dirigida pelo Juiz, por ter o magistrado realizado os interrogatórios na fase inquisitória, antes de haver ação penal. Foram, de igual modo, declarados nulos os atos de investigação praticados por ele na fase administrativa, os quais devem ser desconsiderados na propositura da nova ação penal. Ressalva do ponto de vista do Relator. 3. No caso, é esse entendimento que prepondera no que tange à ação penal em questão. 4. Ordem concedida para declarar impedido o Juiz e para declarar a nulidade de todo o processo – não apenas dos atos decisórios, assim como dos atos praticados pelo magistrado durante a fase das investigações preliminares –, determinando que os interrogatórios por ele realizados nesse período sejam desentranhados dos autos de forma que não influenciem a opinio delicti do órgão acusatório na propositura da nova denúncia. 5. Extensão da ordem concedida de ofício ao demais corréus.

Descumprimento da transação penal - Impossibilidade do oferecimento da Denúncia - STJ - HC 97.642/ES

STJ - HC 97.642

PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE MENOR POTENCIAL LESIVO. LEI 9.099/95. TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. DESCUMPRIMENTO. DENÚNCIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O descumprimento da transação penal, em razão dos efeitos da coisa julgada material e formal do acordo, não permite o oferecimento de denúncia por parte do ministério público e, muito menos, rende ensejo ao crime de desobediência. 2. Não sendo possível deflagrar persecutio penal em caso de descumprimento, resolve-se pela inscrição da pena (pecuniária) não paga em dívida ativa da União, nos termos do art. 85 da Lei nº 9.099/95 combinado com o art. 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.286/96. 3. Ordem concedida para, tornando sem efeito a condenação pelo crime de desobediência, trancar a ação penal.

Princípio da Insignificância e descaminho - STF - HC 96.819/PR

STF - HC 96.819

Habeas corpus. Penal. Crime de descaminho. Princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. Ordem concedida. 1. Nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado no delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) legalmente previsto no art. 20 da Lei n° 10.522/02, com a redação dada pela Lei nº 11.033/04. 2. Ordem concedida

Ilicitude das interceptações telefônicas adotadas, de plano, no início da investigação - HC 128.087 - STJ

HC 128.087 - STJ

HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA. INVIABILIDADE DE PRODUÇÃO DA PROVA POR OUTROS MEIOS NÃO DEMONSTRADA. ILEGALIDADE. 1. O Poder Constituinte Originário resguardou o sigilo das comunicações telefônicas, erigindo-o à categoria de garantia individual, prevista no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, admitindo, de forma excepcional, a sua flexibilidade, nos termos da Lei n. 9.296/96, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. 2. Além da necessidade do ilícito em apuração ser apenado com reclusão, o legislador ordinário estabeleceu ainda como critérios para a utilização da interceptação telefônica, a contrario sensu, a existência de indícios acerca da autoria ou participação na infração penal, bem como a demonstração de inviabilidade de produção da prova por outros meios. 3. Demonstrado, in casu, que a representação pela quebra do sigilo telefônico dos pacientes foi deferida antes mesmo dos sócios da empresa investigada terem sido ouvidos pela autoridade policial, tratando-se de medida primeva em busca de provas acerca da autoria do ilícito, imperioso o reconhecimento da ilegalidade da medida. SONEGAÇÃO FISCAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO TIDO POR SONEGADO. IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. Conforme entendimento consolidado nesta Corte, tratando-se de crime de sonegação fiscal, enquanto ausente a condição objetiva de punibilidade, consistente no lançamento definitivo do crédito tributário tido por sonegado, inviável o deferimento de qualquer procedimento investigatório prévio. 2. Ordem concedida para declarar a nulidade do despacho que atendeu a representação feita pela autoridade policial, determinando-se a inutilização do material colhido, nos termos do artigo 9º da Lei n. 9.296/96, devendo as instâncias ordinárias absterem-se de fazer qualquer referência às informações obtidas pelo meio invalidado.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Senado aprova reforma do Código do Processo Penal

Fonte: Notícias do ConJur de 09/11/2010
Votação simbólica

Senado aprova reforma do Código do Processo Penal

A reforma do Código de Processo Penal (CPP) foi votada e aprovada nesta terça-feira (9/11) em primeiro turno no Plenário do Senado. De autoria do senador Renato Casagrande (PSB-ES), o substitutivo tem 702 artigos e traz profundas modificações em diversos dispositivos da atual legislação, que data de 1941 (Decreto-Lei 3.689/41). Esta foi a terceira sessão de discussão da matéria no Plenário. A informação é da Agência Senado.
O substitutivo de Casagrande baseou-se no Projeto de Lei do Senado (PLS) 156/09, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), fruto de um anteprojeto elaborado por uma Comissão de Juristas criada em julho de 2008. A esse texto foram anexadas outras 48 propostas que versam sobre o processo penal. Esses projetos transformaram-se numa proposta única, concluída em dezembro de 2009 pela Comissão Temporária de Estudo da Reforma do CPP, constituída especialmente para análise do assunto.
Após a análise de 44 emendas apresentada à matéria, Casagrande ainda promoveu ajustes finais de redação e de mérito para a elaboração do substitutivo aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. O atual Código de Processo Penal tem mais de 811 artigos. Grande parte deles, segundo Casagrande, foi alterada, e outros artigos e parágrafos foram acrescentados.
O substitutivo traz inovações como a criação da figura do juiz de garantia, que controlará a legalidade da investigação criminal e será responsável pelos direitos fundamentais do acusado. Pelo código de Processo Penal em vigor, o mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença. Com as mudanças propostas, caberá ao juiz dar garantias atuar na fase da investigação e a outro juiz a responsabilidade de julgar o caso.
Com relação ao júri, o texto permite que os jurados conversem uns com os outros, exceto durante a instrução e o debate. O voto de cada jurado, porém, continua sendo secreto. A vítima passa a ter direitos, como o de ser comunicada da prisão ou soltura do autor do crime, da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia, além de ser informada do arquivamento da investigação e da condenação ou absolvição do acusado. A vítima também poderá ter acesso ao desenrolar do processo e terá o direito de se manifestar sobre ele.
O projeto altera ainda regras relacionadas às modalidades de prisão provisória, que ficam limitadas a três tipos: flagrante, preventiva e temporária. O uso de algemas ou o emprego de força ocorrerá somente quando forem considerados indispensáveis, nos casos de resistência ou de tentativa de fuga do preso.
A primeira sessão de discussão do novo Código Penal em Plenário foi realizada no dia 8 de junho de 2010, e a segunda no dia 9 de junho de 2010. Para a votação de projetos que tratam de códigos são necessárias três sessões de discussão. Após esse período, a matéria pode ser votada. Como foi apresentado um substitutivo ao projeto, é necessária a votação em turno suplementar. Depois de aprovada no Senado, a matéria será enviada à Câmara dos Deputados.
Inquérito policial
Emenda destacada pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO), para permitir ao policial militar também ter poderes para lavrar os chamados TCOs (Termos de Circunstância de Ocorrência), foi aprovada pelos senadores depois de ampla discussão sobre o assunto.
Conforme o artigo 291 do substitutivo, "o delegado de polícia que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando as requisições dos exames periciais". A emenda de Demóstenes, subscrita pelo senador Marco Maciel (DEM-PE), substituiu a expressão "delegado de polícia" por "autoridade policial", mantendo o texto original do anteprojeto para permitir que os policiais militares também possam lavrar os termos circunstanciados.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Em liminar, posse de chip de celular por presidiário não caracteriza falta grave - STF - Notícias de 09/11/10

Fonte: Notícias do STF de 09/11/2010
Classificação de posse de chip de celular como falta disciplinar grave será julgada pelo STF
Por entender que a posse de chip de celular por um presidiário não se amolda a nenhuma das hipóteses de infração disciplinar grave previstas no artigo 50 da Lei de Execução Penal (LEP), o ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar em Habeas Corpus (HC 105973) em favor de Patrik de Souza.
Ele foi condenado, em Cruz Alta (RS), a uma pena de 18 anos de reclusão por homicídio qualificado. De acordo com os autos, Patrik cumpria pena em regime semiaberto quando foi instaurado procedimento administrativo disciplinar para apuração de eventual falta grave, uma vez que, em novembro de 2008, foram encontrados com o preso dois chips de telefone celular. O Juízo das Execuções homologou o procedimento, determinando a regressão ao regime fechado e a perda dos dias remidos.
A Defensoria Pública da União impetrou o HC no Supremo depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu - em um recurso especial interposto pelo Ministério Público contra o paciente - que a posse do chip, “sendo acessório essencial para o funcionamento do aparelho telefônico, tanto quanto o próprio celular em si, caracteriza falta grave”. O STJ levou em conta a entrada em vigor da Lei 11.466/2007, que alterou a LEP para incluir a posse, utilização ou fornecimento “de aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”, como falta disciplinar grave.
Para a defensoria, contudo, é impossível capitular a conduta do preso como falta disciplinar grave. Isso porque, diz o defensor, a mera posse de chip de telefonia celular não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas na Lei de Execução Penal. Além disso, não se pode ampliar o rol de faltas disciplinares de natureza grave, diz a defensoria, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que o reconhecimento da infração depende de previsão legal anterior.
Decisão
Para o ministro Ayres Britto, “a classificação de determinada conduta como infração disciplinar de natureza grave pressupõe uma acurada avaliação da falta eventualmente cometida pelo condenado”. Nesse exame, explica o ministro, deve-se incorporar um juízo de graduação da indisciplina, mesmo grave, para, se for o caso, “proporcionalizar as consequências dela advindas”.
“Tenho por acertado o entendimento defensivo de que a conduta assumida pelo paciente não se amolda a nenhuma das hipóteses do artigo 50 da Lei de Execução Penal”, frisou o ministro, para quem, “se o chip é imprescindível para o funcionamento de um aparelho celular, tal artefato, sozinho, não permite a comunicação com a sociedade extramuros ou mesmo com outros detentos”.
Com esses argumentos, o ministro deferiu o pedido de liminar, para suspender os efeitos da homologação do procedimento administrativo disciplinar contra o presidiário.
MB/CG//GAB


Processos relacionados
HC 105973

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Banalização da prisão cautelar aumenta números de HCs - ConJur 07/11/10

Presunção da inocência

Pedido de prisão cautelar deve ser excepcional

A superexposição de crimes na imprensa, principalmente os considerados bárbaros, tem um grande impacto não só na formação da opinião pública, mas também nas decisões judiciais. Mesmo com o princípio da presunção da inocência, garantido pela Constituição Federal, muitos são os casos em que um suspeito é preso cautelarmente antes de sua condenação definitiva. Como consequência, os tribunais superiores recebem cada vez mais pedidos de Habeas Corpus como forma de impedir que o cidadão seja alvo de arbitrariedades por parte do Estado.
A questão é complexa e envolve uma série de fatores, de acordo com especialistas do Direito. Alguns avaliam que a divulgação diária da violência de forma escancarada pela mídia aumenta o clamor público para a definição dos casos mesmo antes de uma solução jurídica, como forma de se combater a impunidade.
A prisão do réu durante o curso do processo deve ser considerada em caso excepcional. No entanto, para o advogado criminalista José Roberto Batochio, essa hipótese está se tornando uma regra no Brasil. "A Constituição garante a presunção de inocência até o trânsito em julgado. Mas estão invertendo essa equação. Isso é uma deformidade, uma subversão de um direito constitucional. Neste quadro, o direito de liberdade, que é o mais precioso bem jurídico que integra o patrimônio do homem, está se tornando um bem jurídico de terceira categoria."
Batochio observa que tanto o Ministério Público quanto juízes de primeira instância têm agido de forma mais dura, passando por cima de um direito constitucional, com a desculpa de se preservar a ordem pública ou mesmo por pressão da sociedade. Isso acaba provocando a banalização da supressão da liberdade. "A Justiça não pode ceder a esse tipo de pressão. Ela deve ser equilibrada, ter como base princípios humanísticos, ser impessoal. Caminhamos para um endurecimento do autoritarismo burocrático. Por isso é importante termos uma defesa técnica, que repudia esses excessos."
Para o criminalista, os excessos nas prisões preventivas não contribuem em nada para o aperfeiçoamento social. "Isso só é possível com o respeito ao sistema de leis. E se o legislador optou, ao propor e aprovar a Constituição, por considerar que a liberdade deve ser preservada até a sentença condenatória definitiva, ressalvado casos de inafastável perigo do acusado, isso deve ser respeitado."
Batochio destaca a postura de alguns julgadores que tentam copiar o modelo da doutrina americana nos casos de prisão cautelar decretada. De acordo com o criminalista, dos mais de 300 milhões de habitantes nos Estados Unidos, quase 3 milhões estão encarcerados. No entanto, o problema em se adotar os moldes americanos é que o Brasil vive uma realidade social e econômica diferente. Enquanto os Estados Unidos possuem recursos para manter suas instituições prisionais, o sistema penitenciário brasileiro é um verdadeiro caos. "Aqui, os presídios e cadeias são verdadeiros depósitos humanos, locais insalubres, que não permitem o mínimo de dignidade humana. O réu é tratado como um número, uma abstração. Seus direitos são cada vez menos respeitados."
Num país em que existe uma grande dificuldade em se alocar detentos em um local com segurança e dignidade, a prisão cautelar acaba sendo pior que a pena, de acordo com o criminalista Rodrigo Dall’Acqua, do escritório Oliveira Lima, Hungria, Dall'Acqua e Furrier Advogados. Para ele, falta conscientização tanto do MP quando dos juízes de primeira instância para que a prisão preventiva seja decretada nos casos de extrema necessidade.
De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a prisão cautelar pode ser decretada para garantir a ordem pública, nos casos em que existe o risco de o acusado, se continuar em liberdade, praticar outros crimes ou atrapalhar o curso do processo ou mesmo quando há o risco de fuga do réu. "A prisão cautelar não pode ser uma resposta antecipada ao crime, usada para não desagradar a opinião pública ou mesmo para que juízes não sejam vistos como favoráveis ao réu. Enquanto isso não ocorrer, vamos continuar com uma enxurrada de Habeas Corpus nos tribunais superiores, mesmo com a jurisprudência consolidada que garante o direito à liberdade."
Habeas CorpusSó neste ano, entre janeiro de setembro, o Supremo Tribunal Federal concedeu 344 pedidos de Habeas Corpus. A corte conferiu 39 deles por deficiência de fundamentação na decretação da prisão cautelar. Os números também apontam que houve um crescimento na concessão dessa medida: em 2009, foram dados 428 HC e em 2008, 355.
Por conta disso, se por um lado existe uma corrente que critica o número excessivo de prisões cautelares, há quem considere que a banalização se encontra no uso dos Habeas Corpus. É o caso do desembargador Eduardo Machado da Costa, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que já recebeu mil ações desse tipo para serem julgadas em pouco mais de um ano.
Na corte mineira, foram apresentados pouco mais de 7 mil Habeas Corpus em 2005; quase 17 mil em 2009; e, de janeiro a agosto de 2010, já são 14,5 mil. Dados do tribunal apontam ainda que só o caso do desaparecimento de Eliza Samudio já gerou 43 ações desse tipo em favor dos acusados, que continuam presos. Pelo menos 22 pessoas comuns ingressaram com Habeas Corpus em favor do goleiro Bruno Fernandes. E é por isso que o desembargador critica a previsão constitucional que admite qualquer pessoa como impetrante de HC. "A medida deve ser tratada como forma extrema para proteger aquele cidadão que foi preso sem motivação."
Para o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, do escritório Toron, Torihara e Szafir, não há uma banalização do uso do Habeas Corpus, mas sim uma gama muito grande de casos em que a medida pode ser utilizada. Via de regra, o HC pode ser usado sempre que alguém entender que está sofrendo violência ou coação em relação a sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Se o suspeito é preso em flagrante, por exemplo, e o juiz mantém sua prisão, o acusado pode pedir a liberdade provisória. Se ele não foi preso em flagrante, mas o juiz decretou sua prisão preventiva, o suspeito pode usar o HC para pedir a revogação da prisão. No entanto, Toron ressalta que a medida também pode ser usada para discutir questões de natureza jurídica, como nos casos de nulidades processuais, inépcia na denúncia, abusos processuais de juízes ou quando há a falta de justa causa para a ação penal. "O HC é um direito do réu e o advogado deve impetrar a medida caso julgue necessária. Cabe aos tribunais deferi-lo ou não."
Nessa mesma linha, o defensor público Pedro Giberti, coordenador do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública de São Paulo, afirma que o Habeas Corpus é um instrumento eficaz de discussão de questões jurídicas por ser uma medida mais rápida do que outros recursos. "No Recurso Especial, por exemplo, a parte contrária pode se manifestar, depois o recurso será analisado para ser admitido, ou seja, há trâmites que tornam a apreciação do pedido mais lenta. Nesse sentido, o HC abrevia a apresentação nos tribunais superiores de questões fundamentais à defesa dos direitos de acusados ou mesmo condenados."
Nos nove primeiros meses de 2010, 5.475 Habeas Corpus foram impetrados no Superior Tribunal de Justiça e 64 no STF pela Defensoria de São Paulo. Segundo o órgão, essa diferença de números nos dois tribunais se dá porque a Defensoria consegue procedência total ou parcial na grande maioria dos HC no STJ. Em 2009, os HCs interpostos pela Defensoria paulista no STJ representaram 20,7% de todas essas ações impetradas no tribunal.
Mesmo quando a medida é usada em ações que envolvem muitos réus e, nesses casos, o juiz é obrigado a parar o processo para analisar os pedidos de cada um, o defensor considera o uso da medida legítimo. "Nessas ações com muitos acusados, geralmente, a defesa entra com HC porque a denúncia não descreve a participação do seu cliente no crime. Fica difícil se defender se não está claro qual é a acusação." Ou seja, de acordo com o defensor, a questão não é apenas se o HC está banalizado, mas também se os procedimentos das ações estão corretos por parte do MP e dos julgadores, o que leva os réus a recorrer.
Para o desembargador Almeida Toledo, da 16ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, muitos Habeas Corpus são impetrados em momentos do processo em que a medida não é cabível. Nos casos de execução, por exemplo, o recurso correto é o agravo de execução. “Pode haver tanto desconhecimento de quem entra com o HC, pois essa a medida pode ser usada pelo próprio preso, sem a necessidade de um advogado, ou mesmo a intenção do defensor do réu de acelerar a apreciação do seu pedido”, explicou o magistrado.
Almeida Toledo acredita que o fato do Habeas Corpus ter de ser analisado com muita atenção e rapidez, uma vez que pode se tratar de pedido de liberdade, provoca o desvirtuamento da medida. “Isso entulha os tribunais. Se houvesse uma triagem preliminar, esses pedidos cairiam drasticamente”.
No entanto, o desembargador também reconhece que existe abusos ou erros técnicos na decretação das prisões cautelares, o que também contribui para o aumento dos HC. “Acredito que é necessário, em primeiro lugar, o discernimento para quem decreta a prisão, porque, uma vez que ela é uma exceção, não pode ser determinada por deduções. Nesse sentido, acredito que o TJ-SP tem sido bastante rigoroso e criterioso”, destacou. “Num segundo momento, também é necessário mais critério nos pedidos de liminares. O que não significa que o réu não tem direito de solicitar sua liberdade provisória, mas ele deve recorrer às medidas corretas.”
Crimes hediondos
Outra questão levantada por Giberti é a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/25 de julho de 1990). Para ele, com a publicação da lei, ser suspeito de cometer um crime passou a ser uma forma de ameaça. "Esse dispositivo jurídico foi feito para combater a criminalidade, mas acabou escorregando na desmoralização do princípio da presunção da inocência. O resultado é a desconstitucionalização do processo penal."
Dentre os crimes considerados hediondos, destacam-se, entre outros, o homicídio, o latrocínio, a extorsão, o estupro e o tráfico de drogas, modalidades de crimes que provocam revolta social. Há casos, segundo o defensor, em que os tribunais ficam constrangidos de enfrentar o clamor público. No entanto, cada caso deve ser avaliado com muito critério, segundo Giberti. "Até que ponto o pequeno traficante, por exemplo, deve ser considerado uma ameaça para que ele tenha de ficar preso mesmo antes de seu julgamento?", questiona o defensor.
Ele deu como exemplo o Tribunal de Justiça de São Paulo, que tem uma postura rigorosa nesses casos e nem sempre considera o princípio da presunção da inocência. Como consequência, mais acusados recorrem aos tribunais superiores para garantir a aplicação de um direito constitucional. Para Giberti, a Defensoria de São Paulo deixaria de impetrar muitos Habeas Corpus se a Justiça do estado fosse mais criteriosa na decretação das medidas cautelares.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Prova ilicitamente btida - Quebra de sigilo bancário sem autorização judicial

HC N. 90.298-RS


RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prova. Ilicitude. Caracterização. Quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. Confissão obtida com base na prova ilegal. Contaminação. HC concedido para absolver a ré. Ofensa ao art. 5º, inc. LVI, da CF. Considera-se ilícita a prova criminal consistente em obtenção, sem mandado, de dados bancários da ré, e, como tal, contamina as demais provas produzidas com base nessa diligência ilegal.
HC N. 90.298-RS


RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prova. Ilicitude. Caracterização. Quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. Confissão obtida com base na prova ilegal. Contaminação. HC concedido para absolver a ré. Ofensa ao art. 5º, inc. LVI, da CF. Considera-se ilícita a prova criminal consistente em obtenção, sem mandado, de dados bancários da ré, e, como tal, contamina as demais provas produzidas com base nessa diligência ilegal.