sábado, 16 de fevereiro de 2013

"Sou garantista porque cumpro a Constituição" Desembargador Federal Fernando Tourinho Neto


Fonte: Revista Consultor Jurídico, 11 de fevereiro de 2013
  
Direitos fundamentais

Sou garantista porque cumpro a Constituição

O texto a seguir é de autoria do juiz federal Fernando Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Foi divulgado originalmente na lista de comunicação de juízes federais.
Por que sou garantista?
Sou garantista, não para ser “bonzinho com o acusado”, não, sou garantista porque procuro assegurar os direitos fundamentais de todo cidadão brasileiro ou estrangeiro, seja indiciado, acusado ou condenado, independente da cor, crença, sexo, opção sexual, profissão (sem profissão), convicção filosófica ou política, de ter ou não moradia, da situação econômica (pobre ou rico), de ter ou não poder político ou econômico. Entendo que o indiciado, acusado ou preso devem ser respeitados em sua dignidade, integridade física e moral. Sou garantista porque cumpro a Constituição. Assim:
I – Sou a favor:
1) do princípio da insignificância para qualquer crime, desde que: (a) seja mínima a ofensividade da conduta do agente (b) não haja nenhuma periculosidade social da ação, (c) haja reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) seja inexpressiva a lesão jurídica provocada. (Ex. contrabando de cigarro, de gasolina, de moeda falsa etc.).
Os crimes que não causam nenhum transtorno à sociedade, por constituírem uma insignificância, não devem ser punidos. A pena de nada adiantaria para a sociedade nem para o réu.
2) da interceptação telefônica, desde que não exista outro meio para se produzir a prova: nesta hipótese o requerente deve formular sua pretensão, demonstrando ser imprescindível a produção dessa prova, bem como o periculum in mora. A interceptação telefônica não pode ser autorizada com base em mero expedientes policiais. O juiz deve fazer uma análise de probabilidade, sem necessidade de um juízo exauriente.
A interceptação não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo (isto está claramente dito no art. 5º da Lei 9.296/96). No entanto, os tribunais têm admitido várias prorrogações, o que, a meu sentir, contraria a lei.
3) da prisão preventiva, mas, como medida excepcional. A decisão deve explicitar fundamentos consistentes e individualizados em relação a cada um dos cidadãos investigados (CF, arts. 93, IX e 5º, XLVI), não ser baseada em conjeturas, suposições, como, por ex. o investigado mora em zona de fronteira e pode a qualquer momento fugir, não tem emprego… É ilegal a prisão preventiva decretada para garantia da ordem pública, baseada tão somente na gravidade do fato, na hediondez do delito ou no clamor público; decretada para garantir a credibilidade da justiça. A prisão preventiva, como exceção à regra da liberdade, somente pode ser decretada mediante demonstração cabal de sua real necessidade.
4) da prisão temporária, desde que seja imprescindível, indispensável, quando for absolutamente necessária. A imprescindibilidade deve ser demonstrada concretamente e que seja real. A imprescindibilidade não pode ser confundida com utilidade. Imprescindível é o que não se pode dispensar. O útil é o que auxilia, otimiza, mas não é essencial.
II – Sou contra:
1) pena exacerbada. A pena tem que ser proporcional ao crime, ser justa.
A mídia induz o povo a acreditar que a questão da violência se resolve aumentando as penas e mandando o criminoso para a cadeia. Incute a idéia de que a paz se consegue aumentando-se o número de figuras delituosas.
É preciso desmistificar a ideia de que o direito penal (principalmente, a prisão) é a solução para a contenção da onda de criminalidade que invade, domina e sufoca a sociedade.
2) que se prenda para depois apurar o delito.
3) a prisão preventiva como antecipação da pena, com a finalidade tão-só de dar satisfação à sociedade e à imprensa.
4) o RDD (regime disciplinar diferenciado). Regime brutal, desumano. Esse regime viola o preceito constitucional que veda que o preso seja submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, XLVII, letra e, XLIX).
No período medieval, a prisão era castigo “com o isolamento em calabouço para salvaguarda moral dos presos e também com o fito de levar o condenado, com a inação obrigatória, a purificar a alma”. Hoje, é para proteger a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. A barbárie é a mesma. Mudou-se, apenas, a finalidade. Tortura-se com o silêncio, com a absoluta solidão.
5) a delação premiada. A delação premiada revela a incompetência do Estado na luta contra o crime, na ineficiência do sistema de persecução penal. Beneficia o traidor. Dá-lhe recompensas.
A delação premiada lembra o período da ditadura de 64: quantos cidadãos foram presos em face de delação, expediente usado para alcançar pretensões pessoais e vis?
6) decreto de prisão preventiva feito por meio de documento-padrão, repetindo o que diz o art. 312 do CPP, sem dizer nada de concreto, baseado somente em conjecturas (“é possível que venha reiterar na prática delituosa…”)
7) o entendimento de que é missão do juiz combater o crime. O juiz deve ser imparcial. O combate ao crime é atribuição da Polícia e do Ministério Público.
Fernando Tourinho Neto é juiz federal.