quarta-feira, 10 de julho de 2013

MC no HC 118.580 - Min. Celso de Mello - fundamentação é prisão ilegal


MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 118.580 SÃO PAULO

RELATORA :MIN. CÁRMEN LÚCIA

PACTE.(S) :RONALDO PIMENTEL GUIMARÃES

IMPTE.(S) :WILLEY LOPES SUCASAS E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) :RELATOR DO HC Nº 265462 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Esta decisão é por mim proferida no exercício eventual da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em face da ausência transitória, no território brasileiro, dos eminentes Senhores Ministros Presidente e Vice-Presidente desta Corte (RISTF, art. 37, I).

Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União que, em sede de outra ação de “habeas corpus” (HC 265.462/SP), por entender aplicável à espécie daqueles autos o disposto na Súmula 691/STF, extinguiu, liminarmente, o “writ” lá impetrado, fundamentando sua decisão no art. 210 do RISTJ.

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justificava, ou não, a aplicação, na espécie, da Súmula 691/STF.

O exame das decisões proferidas por eminentes Relatores, tanto no E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quanto no E. Superior Tribunal de Justiça, permite-me constatar, presente o conteúdo de tais atos decisórios, que se impunha a superação, no caso ora em análise, da restrição sumular em referência, especialmente se se tiver em consideração a inconsistência dos fundamentos que dão suporte à decisão proferida pelo magistrado de primeiro grau.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da  jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou caracterizadoras de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.095/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 96.483/ES, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajustar-se-ia às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF.

Por tal razão, e sem prejuízo do ulterior reexame da questão, passo, em consequência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.

Os fundamentos em que se apoia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que manteve a prisão cautelar do ora paciente, confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise.

Eis, no ponto, o teor da decisão, que, emanada do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Itapetininga/SP, motivou as sucessivas impetrações de “habeas corpusem favor do ora paciente: Auto de prisão em flagrante formalmente em ordem.

No mais, havendo prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, a manutenção dos acusados no cárcere é medida que se impõe a fim de se garantir a ordem pública, máxime perante a sociedade local e diante da situação atual do País, em que tanto se discute a questão da impunidade, sendo prematura a liberação sem que a disseminação dos efeitos da conduta perpetrada.

Vale citar:

‘... o conceito de ordem pública não se limita só a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade de justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão ...’

(Processo Penal – Ed. Atlas – Julio Fabbrini Mirabete).

Desta feita, observadas as disposições do artigo 312 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 12.403/11, converto a prisão em flagrante em prisão preventiva, com fulcro no artigo 310 do Código de Processo Penal, ressalvando, por ora, a inadequação das medidas cautelares diversas da prisão ante o acima exposto.

Expeçam-se mandados de prisão preventiva contra os acusados.

Finalizado o plantão, remeta-se para distribuição ao Juízo competente.” (grifei)

Tenho para mim que a decisão em causa, ao converter, em prisão preventiva, a prisão em flagrante do ora paciente, parece ter-se apoiado em elementos insuficientes, destituídos de necessária base empírica idônea, revelando-se, por isso mesmo, desprovida da indispensável fundamentação substancial.

Todos sabemos que a privação cautelar da liberdade individual é sempre qualificada pela nota da excepcionalidade (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que a supressão meramente processual do “jus libertatisnão pode ocorrer em um contexto caracterizado por julgamentos sem defesa ou por condenações sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

(...) PRISÃO PREVENTIVA NÚCLEOS DA TIPOLOGIA IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...).” (HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:

Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).

O processo penal, enquanto corre, destina-se a apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências. Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...).” (RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

Impende assinalar, por isso mesmo, que a gravidade em abstrato do crime não bastaria para justificar, só por si, a privação cautelar da liberdade individual do paciente.

O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, “per se”, a justificar a privação cautelar do “status libertatisdaquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo ou seja a este juridicamente equiparado (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).” (RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.

- A prerrogativa jurídica da liberdade que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.” (RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cabe advertir, neste ponto, que nem mesmo eventual clamor público poderia erigir-se em fator subordinante da decretação ou da manutenção da prisão cautelar de qualquer pessoa.

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que o estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento

delituoso.

Bem por isso, já se decidiu, nesta Suprema Corte, que “a repercussão do crime ou o clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva, dentre as estritamente delineadas no artigo 312 do Código de Processo Penal (...)” (RTJ 112/1115, 1119, Rel. Min. RAFAEL MAYER – grifei).

A prisão cautelar, em nosso sistema jurídico, não deve condicionar-se, no que concerne aos fundamentos que podem legitimá-la, ao clamor

emergente das ruas, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.

Esse entendimento constitui diretriz prevalecente no magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que a repercussão social do delito e o clamor público por ele gerado não se qualificam como causas legais de justificação da prisão processual do suposto autor da infração penal (RT 598/417 – RTJ 172/159, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – HC 71.289/RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RHC 64.420/RJ, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, v.g.):

O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.

- O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado  ela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.

O clamor público precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes.” (RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

De outro lado, revela-se arbitrária a decisão que decreta (ou, como na espécie, que mantém) a prisão cautelar de alguém com o objetivo de inibir terceiros que eventualmente venham a incidir em práticas delituosas, pois tal não é a função jurídico-processual do instituto da prisão cautelar.

Como se sabe, a prisão cautelar – que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad poenam”) – não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer ideia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado:

A PRISÃO PREVENTIVA – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.

- A prisão preventiva não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

A prisão preventiva que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.” (RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o suspeito, o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a consequente (e inadmissível) prevalência da ideia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar – considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave

comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Cumpre enfatizar, por necessário, que a prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) – que se

evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do suspeito, do indiciado ou do réu, como assinalou a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:

A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.

- A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade.

A prisão cautelar, para legitimar-se em face do sistema jurídico, impõe além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu.

- A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar.

Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes.

A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.

- A prisão cautelar não pode – nem deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

A prisão cautelar – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.

A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE.

- A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.

AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE.

- Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar.

- Presunções arbitrárias, construídas a partir de juízos meramente conjecturais, porque formuladas à margem do sistema jurídico, não podem prevalecer sobre o princípio da liberdade, cuja precedência constitucional lhe confere posição eminente no domínio do processo penal.” (HC 105.270/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Mostra-se importante ter presente, no caso, por oportuno, quanto à Lei nº 11.343/2006, que o seu art. 44 proibia, de modo abstrato e a priori”, a concessão da liberdade provisória nos crimes previstos nos art. 33, ‘caput’ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei”.

Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória não pode, no entanto, ser admitida, eis que se revela manifestamente incompatível com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República, independentemente da gravidade objetiva do delito.

Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 10/05/2012, ao julgar o HC 104.339/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, declarou, “incidenter tantum”, a inconstitucionalidade da expressão e

liberdade provisória”, constante do “caput” do artigo 44 da Lei nº 11.343/2006.

Devo assinalar, por relevante, que a aplicabilidade do art. 44 da Lei de Drogas já vinha sendo recusada por Juízes do Supremo Tribunal Federal, que vislumbravam, em referida cláusula legal, a eiva da inconstitucionalidade (HC 97.976-MC/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 100.330-MC/MS, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 100.949-MC/SP, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.):

HABEAS CORPUS’. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, IMPOSTA EM CARÁTER APRIORÍSTICO, INIBITÓRIA DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 33, ‘CAPUT’ E § 1º, E NOS ARTS. 34 A 37, TODOS DA LEI DE DROGAS. POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DA REGRA LEGAL VEDATÓRIA (ART. 44). OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO ‘DUE PROCESS OF LAW’, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA ‘PROIBIÇÃO DO EXCESSO’: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA NEM SE MANTÉM PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO ‘STATUS LIBERTATIS’ DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.” (HC 100.742-MC/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, igualmente sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à concessão de liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e Comentários à Lei nº 11.343/06”, p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRANCIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes Supra-hediondos: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06”, “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal”, p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Editora”, v.g.).

Daí a censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu à interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por mencionada regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento da tutela cautelar penal.

Em suma: a análise do ato decisório de primeira instância, que converteu, em prisão preventiva, a prisão em flagrante do ora paciente,

decisão essa que está sendo mantida, até o presente momento, por efeito de inadequada aplicação da Súmula 691/STF, permite reconhecer a imprestabilidade, em face da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, dos fundamentos invocados pelo ilustre magistrado local, que não indicou, sequer, um fato concreto que pudesse justificar a utilização, no caso em exame, do instituto da prisão cautelar.

Sendo assim , e tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar , para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, garantir , cautelarmente, ao ora paciente, o direito de ser colocado em liberdade, cessada a eficácia da decisão que lhe converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva (Processo nº 0000013--19.2013.8.26.0624, ora em curso perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Tatuí/SP).

Em consequência da presente decisão, o ora paciente deverá ser posto, imediatamente , em liberdade, se por al não estiver preso .

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 265.462/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 0015065-84.2013.8.26.0000) e ao Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Tatuí/SP (Processo nº 0000013-19.2013.8.26.0624).

Publique-se.

Brasília, 09 de julho de 2013.

Ministro CELSO DE MELLO

Presidente em exercício

(RISTF, art. 37, I)