segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Da imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”

Da imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”

Bruno César Gonçalves da Silva

Mestre em Direito Processual Penal pela PUC-Minas; Professor de Processo Penal na Pós-Graduação em Ciências Penais da Faculdade de Direito Milton Campos e na Pós-Graduação em Direito Processual do IEC PUC-Minas.

Na atual redação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, determinada pela Lei 11.705/08, tem-se a descrição com clareza, rigor e taxatividade, em observância ao mandato constitucional da lex certe, dos pressupostos da incriminação penal em caso de embriaguez ao volante, constando da referida norma todos os elementos constitutivos do tipo, restando explicitado no caput do artigo o elemento descritivo “estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas”.
Tem-se, portanto, que o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro é explícito e taxativo ao fixar a concentração igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool “por litro de sangue”, como elementar típica imprescindível à configuração da infração penal.
Pois bem, no parágrafo único do artigo em análise, há previsão para que o Poder Executivo estipule “a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo”. Ou seja, estipulará a equivalência entre os testes capazes de comprovar a concentração de álcool “por litro de sangue”.
Com a publicação do Decreto n° 6.488/08, fixou-se o seguinte parâmetro de equivalência: “art. 2. Para os efeitos criminais de que trata o art. 306 da Lei n° 9.503, de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte: I – exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou II – teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.”
Para fins de preenchimento da elementar típica do artigo 306 do CTB, o que resta bastante óbvio, é que o único teste com idoneidade para fins penais é o exame de sangue, disciplinado no inciso I, do artigo 2°, do Decreto n° 6.488/08, pois o crime só se configurará com a comprovação de concentração igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool “por litro de sangue” do condutor do veículo.
Já o etilômetro (bafômetro), não se configura em meio de prova hábil a comprovar e aquilatar a concentração de álcool “por litro de sangue”, “pois, nos termos da própria regulamentação, o etilômetro utiliza meio e medida diversos ao analisar a quantidade de álcool por litro de ar expelido dos pulmãoes do condutor.[1]
Data venia, tratam-se de coisas absolutamente distintas, pois álcool no sangue é uma coisa e álcool no ar expelido dos pulmões é outra!
Assim, uma vez que o tipo penal do artigo 306 do CTB é taxativo ao fixar que o crime somente se configura com concentração igual ou superior a 06 (seis) decigramas de álcool “por litro de sangue” do condutor do veículo e que a prova de tal elementar típica, por questões óbvias, somente pode ser feita através do exame do sangue daquele, impossível a responsabilização penal através do teste por aparelho que mede o ar expelido dos pulmões, já que, mediante escrupulosa observação do Princípio Constitucional da Reserva Legal, não se pode equiparar, por analogia in malam partem, concentração de álcool “por litro de sangue” com concentração de álcool “por litro de ar expelido dos pulmões”.
O parágrafo único do artigo 306 do CTB fala na equivalência entre os distintos testes de alcoolemia, mas estes “distintos teste de alcoolemia” tem, todos eles, que serem aptos a comprovar a concentração de álcool “por litro de sangue” para que possam obter elementos de provas idôneos a comprovar o preenchimento da elementar típica, pois se o teste for capaz apenas de comprovar a concentração de álcool “por litro de ar expelido dos pulmões”, circunstância inexistente no tipo penal em análise, o mesmo servirá como prova apenas na esfera extra-penal.
Admitir o contrário, ou seja, tomar a comprovação da concentração de álcool “por litro de ar expelido dos pulmões” como análoga à comprovação da concentração de álcool “por litro de sangue”, é aceitar o emprego da analogia in malam partem no Direito Penal para os fins de tipificar uma conduta, em arrepio ao Princípio da estrita Reserva Legal, pois, em matéria penal, “a norma tem um limite linguisticamente insuperável, que é a máxima capacidade da palavra”[2] .
Sabe-se que no cotidiano forense a presente abordagem acerca da violação ao Princípio da Reserva Legal tem passado despercebida pela grande maioria dos Operadores do Direito, realizando-se juízos de tipicidade da conduta de embriaguez ao volante com base no mero “teste do bafômetro”, sem se dar conta de que nestes casos a Teoria da Norma Penal está sendo completamente violada.
Os problemas decorrentes do consumo do álcool entre condutores de veículos são vários e tais problemas geram elevados custos sociais e conseqüências para os acidentados. Mas tais problemas, que merecem uma abordagem e tratamento multidisciplinar, não podem ser justificativa para a burla ao sistema de Princípios e Garantias Penais consagrados na Constituição Federal.
A burla ao Princípio da Reserva Legal proposta pelo artigo 2º, do Decreto n° 6.488/08, reflete um utilitarismo penal, de todo inaceitável. A necessária observância da taxatividade, da vedação da analogia in malam partem, e da interpretação restritivas dos tipos penais, impede que o elemento de prova obtido através do etilômetro – concentração de álcool expelido por litro de ar dos pulmões – sirva para tipificar um comportamento que exige no preceito primário da norma incriminadora prova da elementar descritiva “concentração de álcool por litro de sangue” do condutor.
Deste modo, tem-se a imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”.
Referências bibliográficas:
PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. O crime de embriaguez ao volante e o “bafômetro”: algumas observações. in: Boletim IBCCRIM, ano 16, n° 189, agosto de 2008.
ZAFFARONI, Eugênio Raul, BATISTA, Nilo, ALGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Braileiro – vol I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
[1] PELUSO, Vinicius de Toledo Piza. O crime de embriaguez ao volante e o “bafômetro”: algumas observações. in: Boletim IBCCRIM, ano 16, n° 189, agosto de 2008, p. 16.
[2] ZAFFARONI, Eugênio Raul, BATISTA, Nilo, ALGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Braileiro – vol I, 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 209.

SILVA, Bruno César Gonçalves da. "Da imprestabilidade da prova obtida através de etilômetro para o preenchimento do tipo penal do artigo 306 do CTB, face à inexistência de comprovação da elementar típica “concentração de álcool por litro de sangue”". disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>

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