sexta-feira, 25 de março de 2011

Privilégio Constitucional contra a auto-incriminação - STJ HC 107285/RJ

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. "PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL
CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO: GARANTIA BÁSICA QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO (PARLAMENTAR,
POLICIAL OU JUDICIAL) NÃO SE DESPOJA DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS" (STF, HC 94.082-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ DE
25/03/2008). PRINCÍPIO “NEMO TENETUR SE DETEGERE”. POSITIVAÇÃO NO ROL PETRIFICADO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS (ART. 5.º,
INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): OPÇÃO DO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO BRASILEIRO DE CONSAGRAR, NA CARTA DA REPÚBLICA DE 1988,
"DIRETRIZ FUNDAMENTAL PROCLAMADA, DESDE 1791, PELA QUINTA EMENDA [À CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA], QUE COMPÕE O “BILL OF
RIGHTS”" NORTE-AMERICANO (STF, HC 94.082-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). PRECEDENTES CITADOS DA SUPREMA CORTE DOS
ESTADOS UNIDOS: ESCOBEDO V. ILLINOIS (378 U.S. 478, 1964); MIRANDA V. ARIZONA (384 U.S. 436, 1966), DICKERSON V. UNITED STATES (530
U.S. 428, 2000). CASO MIRANDA V. ARIZONA: FIXAÇÃO DAS DIRETRIZES CONHECIDAS POR "MIRANDA WARNINGS", "MIRANDA RULES" OU "MIRANDA
RIGHTS". DIREITO DE QUALQUER INVESTIGADO OU ACUSADO A SER ADVERTIDO DE QUE NÃO É OBRIGADO A PRODUZIR QUAISQUER PROVAS CONTRA SI MESMO, E
DE QUE PODE PERMANECER EM SILÊNCIO PERANTE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, POLICIAL OU JUDICIÁRIA. INVESTIGADA NÃO COMUNICADA,
NA HIPÓTESE, DE TAIS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. FORNECIMENTO DE MATERIAL GRAFOTÉCNICO PELA PACIENTE, SEM O CONHECIMENTO DE QUE TAL
FATO PODERIA, EVENTUALMENTE, VIR A SER USADO PARA FUNDAMENTAR FUTURA CONDENAÇÃO. LAUDO PERICIAL QUE EMBASOU A DENÚNCIA. PROVA ILÍCITA.
TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE). ORDEM CONCEDIDA.
1. O direito do investigado ou do acusado de ser advertido de que não pode ser obrigado a produzir prova contra si foi positivado pela
Constituição da República no rol petrificado dos direitos e garantias individuais (art. 5.º, inciso LXIII). É essa a norma que
garante status constitucional ao princípio do “Nemo tenetur se detegere” (STF, HC 80.949/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1.ª
Turma, DJ de 14/12/2001), segundo o qual ninguém é obrigado a produzir quaisquer provas contra si.
2. A propósito, o Constituinte Originário, ao editar tal regra, "nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema
normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda [à
Constituição dos Estados Unidos da América], que compõe o “Bill of Rights” norte-americano" (STF, HC 94.082-MC/RS, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, DJ DE 25/03/2008).
3. "Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado –
ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 –RTJ 176/805-806) –, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são
constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria" (RTJ 141/512, Rel. Min.
CELSO DE MELLO).
4. Nos termos do art. 5.º, inciso LXIII, da Carta Magna "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado". Tal regra, conforme jurisprudência dos Tribunais pátrios,
deve ser interpretada de forma extensiva, e engloba cláusulas a serem expressamente comunicadas a quaisquer investigados ou
acusados, quais sejam: o direito ao silêncio, o direito de não confessar, o direito de não produzir provas materiais ou de ceder
seu corpo para produção de prova etc.
5. Na espécie, a autoridade policial, ao ouvir a Paciente durante a fase inquisitorial, já a tinha por suspeita do cometimento do delito
de falsidade ideológica, tanto é que, de todas as testemunhas ouvidas, foi a única a quem foi requerido o fornecimento de padrões
gráficos para realização de perícia, prova material que ensejou o oferecimento de denúncia em seu desfavor.
6. Evidenciado nos autos que a Paciente já ostentava a condição de investigada e que, em nenhum momento, foi advertida sobre seus
direitos constitucionalmente garantidos, em especial, o direito de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesma, resta
evidenciada a ilicitude da única prova que embasou a condenação. Contaminação do processo, derivada da produção do laudo ilícito.
Teoria dos frutos da árvore envenenada.
7. Apenas advirta-se que a observância de direitos fundamentais não se confunde com fomento à impunidade. É mister essencial do
Judiciário garantir que o jus puniendi estatal não seja levado a efeito com máculas ao devido processo legal, para que a observância
das garantias individuais tenha eficácia irradiante no seio de toda a sociedade, seja nas relações entre o Estado e cidadãos ou entre
particulares (STF, RE 201.819/RS, 2.ª Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Rel. p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, DJ de 27/10/2006).
8. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base em outras provas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário